Sapucaia do Sul
Deixa o gaiteiro tocar!
Músico de 50 anos recebeu recado de que não poderia mais tocar no Calçadão. Prefeitura diz que veto não partiu dela
Basta abrir a capa da gaita de 80 baixos para que os olhos se voltem a ele. Mesmo sem ver a plateia, Iloi Vogt, 50 anos, sente a presença do público que espera por suas canções e, inclusive, pede sucessos nativistas e populares. Mas o Calçadão de Sapucaia do Sul é um palco no qual as luzes se apagaram.
Deficiente visual desde criança (por conta do glaucoma), Iloi conta que, dois meses atrás, foi surpreendido:
- Dois homens disseram ser da prefeitura e avisaram que eu não podia tocar na frente das lojas por causa do barulho. Tinham recebido queixas.
Então, o músico passou a tocar em outra freguesia:
- Para não me incomodar, vou a São Leopoldo, ou fico na passarela (estação Sapucaia), na parada de ônibus. Toco para alegrar todo mundo, sou artista de rua.
● Prefeitura dá sua versão
O secretário de Indústria, Comércio e Abastecimento (Smicaa), Marcos Aurélio Bender,
informa em nota que nunca proibiu o deficiente visual de tocar no Calçadão. Em caso de problema com artista de rua, a BM deve ser acionada.
Informado pelo DG sobre a posição oficial da prefeitura, Iloi ficou surpreso pelo fato de que pode ter sido alvo de trote:
- Vou me informar antes de voltar ao Calçadão.
De ouvido no Rei e na novela
O repertório de Iloi é variado. Vai do Brasileirinho, passando por clássicos do nativismo, de Teixeirinha e Gildo de Freitas, até sucessos atuais como Esse Cara Sou Eu, de
Roberto Carlos. São poucas as letras que ele canta: a maioria é só instrumental.
Por dia, ele estima faturar de R$ 20 a R$ 30. As contribuições que recebe no pote de plástico vão para gastos como alimentação, por exemplo.
- Agora, estou investindo numa música internacional, aquela do Ziah, da novela das nove, sabe? - adianta.
Casado há um ano com a deficiente visual Nadir Terezinha, 65 anos, de vez em quando o morador de Esteio faz uma serenata para a amada, que conheceu num encontro de
deficientes visuais.
Ajuda vem dos amigos
- Nunca vi alguém pedir uma música que ele não soubesse tocar. Todo o dia o pessoal para e fica escutando - conta o fiscal de transporte Alexandre Vicente, 28 anos.
Se, por um lado, há quem não aprecie a música, de outro aparecem pessoas dispostas a oferecer um café, um almoço, ou mesmo guardar a pesada gaita até o dia seguinte - Iloi costuma se apresentar de segunda a sábado, entre 9h30min e 17h, com alguns
intervalos para descansar. A suposta proibição causou reclamações dentro e fora das redes sociais. Um dos questionamentos diz respeito ao fato de haver comércios no Calçadão que colocam som (ao vivo ou mecânico), mas o gaiteiro não poderia apresentar-se no local.
- Acho que não atrapalha em nada. Quem gosta, fica escutando, e, assim, ele ganha o dinheirinho dele. Proibir é ignorância - opina o aposentado Adão Gomes Ferreira, 71 anos.