Alimentação
O perigo de comer mal
A alimentação pouco nutritiva, rica em gordura, açúcar e sal, reduz mais a expectativa de vida do que a fome
Comer mal é pior do que não comer. Isto é: a alimentação pouco nutritiva, rica em gordura, açúcar e sal, reduz mais a expectativa de vida do que a fome, grande vilã das últimas décadas do século passado.
A inversão desta lógica faz parte das conclusões da pesquisa da Organização Mundial da Saúde (Relatório sobre o Ônus Global das Doenças), feita por 500 cientistas em 50 países. Em 1990, a desnutrição infantil ocupava o primeiro lugar na lista dos fatores de risco à saúde. Em 2010, caiu para oitavo lugar. Enquanto isso, a obesidade subiu quatro postos, passando à sexta posição no ranking de causas de doenças.
Risco de pressão alta e diabetes
A primeira e mais grave consequência da deseducação alimentar é a obesidade, quase sempre ligada também ao sedentarismo: junção que é fator de risco para doenças como pressão alta (no topo da lista de fatores de risco à saúde) e diabetes.
O dado serve de alerta para Porto Alegre, que registra índices crescentes de sobrepeso e obesidade. De acordo com a Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), do Ministério da Saúde, em 2011, entre a população adulta, 55% das pessoas estavam com excesso de peso e 19,6% eram obesas. Em 2010, o excesso de peso atingia 48%, e a obesidade, 15%.
Coordenador da Política de Alimentação e Nutrição da Secretaria Estadual da Saúde, Paulo Henkin destaca que a obesidade é uma pandemia, uma doença dos tempos modernos. Ele elenca fatores como o erro alimentar (comer bem é mais caro e trabalhoso), o fato de a comida mais energética ser mais barata e a automação do mundo, que gera o sedentarismo.
No almoço também se aprende
Em fila, alunos do primeiro ano da Escola Municipal Judith Macedo de Araújo, do Bairro Partenon, se organizaram para chegar perto do bufê fumegante, adaptado à altura deles. No cardápio, arroz integral, feijão, carne com nhoque, salada de alface. A sobremesa? Bergamota.
A pequena Larissa Santos Lima, sete anos, foi a primeira a se servir. No prato, feijão e alface.
- Sempre como feijão, eu adoro! E gosto de fruta também - disse, alternando colheradas de feijão.
Já Hiago Garcez Garcia, sete anos, preferiu servir um prato completo, com arroz, feijão, carne e salada. O mesmo fez a coleguinha Isabela Martins Silva e Silva, sete anos, muito hábil com garfo e faca.
- Está bem gostoso. A salada que eu mais gosto é alface. Como tudo - afirmou Isabela.
Além da supervisão da equipe da cozinha, a turma também conta com a ajuda da técnica de nutrição Jaqueline Galon:
- A comida a gente come espalhando ou juntando? - perguntou.
- Juntando! - disse a turma, em coro.
- A hora do almoço também é de aprendizagem - concluiu Jaqueline.
Ranking
Obs.: entre parênteses, a posição em 1990
Principais fatores de risco à saúde em 2010:
- 1º lugar: pressão alta (4º)
- 2º lugar: alcoolismo (6º)
- 3º lugar: tabagismo (3º)
- 4º lugar: poluição dentro de casa (2º)
- 5º lugar: baixa ingestão de frutas (8º)
- 6º lugar: obesidade (10º)
- 7º lugar: altos níveis de açúcar no sangue (9º)
- 8º lugar: baixo peso infantil/desnutrição (1º)
- 9º lugar: poluição ambiental (7º)
- 10º lugar: sedentarismo (-)
NÚMEROS
Pesquisa entre crianças do ensino fundamental (11.320 alunos em 15 escolas da Capital), do primeiro ao nono ano:
- 18,3% com sobrepeso
- 13,3% obesas
- 2,6% abaixo do peso
Pesquisa entre crianças da educação infantil de Porto Alegre (3.461):
- 24,7% com risco de sobrepeso
- 13% com sobrepeso e obesidade
- 1,1% abaixo do peso
Excesso de peso no Estado:
- Adultos: 61,4%
- Adolescentes: 30,8%
- Crianças de zero a dois anos: 48,4%
- Crianças de dois a cinco anos: 33,2%
- Crianças de cinco a dez anos: 30,5%
* Setor de nutrição da Smed, Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan) - 2011
GUERRA CONTRA OS TRÊS VILÕES
Ciente deste quadro, a Secretaria Municipal da Educação (Smed), desde o início deste ano oferece alimentação escolar com menos sal, açúcar e óleo. A intenção é reduzir pela metade a medida desses ingredientes. O arroz integral, o pão de centeio e a fruta no lanche da manhã completam a estratégia para reverter números e ensinar hábitos saudáveis. Em reuniões, os pais também são convidados a saber mais sobre alimentação.
- É um perfil mundial (aumento no sobrepeso e obesidade). Há o acesso aos alimentos, mas sem a informações sobre o que escolher - observa a coordenadora do setor de nutrição da Smed, Annelise Krause.
Uma questão de paladar
Segundo ela, as crianças adaptam o paladar ao novo sabor dos alimentos com menor quantidade de sal, por exemplo. Para compensar, as receitas salgadas ganharam temperos como sálvia e manjerona.
- Elas têm o ímpeto de questionar (quando, por exemplo, um copo de leite que era servido com açúcar agora já não é mais adoçado), mas tomam e gostam. O mais difícil é mudar o paladar do adulto - afirma.
Quando a alimentação preocupa
A bicicleta comprada com dificuldade foi uma das maneiras que a aposentada Iara Teresinha Andrade dos Santos, 58 anos, encontrou para ajudar o neto Nicollas Barros dos Santos, nove anos, a perder o peso. Até pular corda com o menino, no pátio da casa dela, no Bairro Estância Velha, em Canoas, Iara diz pular - driblando a própria deficiência visual. Tudo para garantir a queima de energia acumulada. No entanto, não tem sido suficiente. A avó conta que Nicollas vem ganhando peso há cinco anos.
- Ele teve uma fase em que comia muito, comia bastante fritura, bebia refrigerante. Agora, está mais consciente. Mas me preocupo, a saúde dele é muito importante para mim. Na última vez que fomos ao posto, ele estava com pressão alta - conta Iara, lembrando que o neto tem apresentado mal-estar digestivo depois das refeições.
Fazer dieta é muito caro
Quando o pai do menino tinha plano de saúde, Nicollas chegou a receber atendimento na área de nutrição e uma lista de recomendações alimentares.
- Mas era uma lista difícil para os nossos padrões. Aqui é polenta, arroz, feijão. A lista tinha queijo branco, peito de peru, para colocar no pão de centeio. Eu recebo salário mínimo, o pai dele está desempregado e a mãe começou a trabalhar agora - destaca a avó.
Na escola, são os apelidos que mais entristecem Nicollas.
- Ficam me incomodando. Mas eu fico quieto - revela o guri, que é o goleiro no time de futebol.
"Ele detesta brócolis"
Iara acredita que o encaminhamento a um endocrinologista seria fundamental para Nicollas iniciar um tratamento, mas não tem condições de custear a consulta com especialista. Atualmente, ele pesa 72kg e mede 1,41m.
- Ele detesta brócolis, mas gosta de repolho cru, moranga, salada de alface e tomate. Estamos fazendo o que está ao nosso alcance, mas nosso esforço não é suficiente.
Obs.: a secretaria da Saúde de Canoas informa que Nicollas foi atendido no final do ano passado na UBS Caic Guajuviras e recebeu encaminhamento para endocrinologista, mas não fez a marcação. Ele segue no sistema e a recomendação é de que a família procure a unidade de saúde para retomar o atendimento e aguardar a consulta.
RS: 60% DOS ADULTOS ESTÁ ACIMA DO PESO
O médico Paulo Henkin revela um dado assustador:
- Entre os adultos, 60% da população do Rio Grande do Sul estão acima do peso normal, com sobrepeso ou obesidade. E isso está relacionado às doenças crônicas não transmissíveis, como infarto, derrame, câncer, diabetes e pressão alta.
Segundo o especialista, o quadro de excesso de peso se estende também às crianças menores de cinco anos, as em idade escolar e adolescentes.
- O consumo de feijão vem caindo, isso é indicativo de que as pessoas estão fazendo menos comida em casa, e o hábito alimentar, piorando. Essa herança passa para as crianças, que optam por lanches densos em energia, açúcar e gordura trans.
Calcule seu IMC
Se você tem entre 20 e 60 anos, veja no quadro abaixo o seu Índice de Massa Corporal (IMC). Para calcular, pegue o seu peso (em quilos) e divida pela sua altura (em metros), elevada ao quadrado.
Exemplo: homem tem 83kg e 1,75m. O cálculo:
IMC = peso (kg) / altura (m) x altura (m)
Altura x altura = 1,75 x 1,75 = 3.0625
IMC = 83 dividido por 3,0625 = 27,10 (índice indica sobrepeso)
O que os números indicam:
- IMC menor que 18,5: baixo peso
- IMC de 18,5 a 24,99: peso adequado
- IMC de 25 a 29,99: sobrepeso
- IMC maior que 30: obesidade
Dados: Ministério da Saúde
Dez passos da alimentação saudável
Coordenação Geral da Política de Alimentação e Nutrição, do Ministério da Saúde
- 1) Faça pelo menos três refeições (café da manhã, almoço e jantar) e dois lanches saudáveis por dia. Não pule as refeições.
- 2) Inclua diariamente seis porções do grupo do cereais (arroz, milho, trigo, pães e massas), tubérculos como as batatas e raízes como aipim nas refeições. Dê preferência aos grãos integrais e aos alimentos naturais.
- 3) Coma diariamente pelo menos três porções de legumes e verduras como parte das refeições e três porções ou mais de frutas nas sobremesas e lanches.
- 4) Coma feijão com arroz todos os dias ou, pelo menos, cinco vezes por semana. É uma combinação completa de proteínas.
- 5) Consuma diariamente três porções de leite e derivados e uma porção de carnes, aves, peixes ou ovos. Retire a gordura aparente das carnes e a pele das aves.
- 6) Consuma, no máximo, uma porção por dia de óleos vegetais, azeite, manteiga ou margarina. Fique atento aos rótulos dos alimentos e escolha aqueles com menores quantidades de gorduras trans.
- 7) Evite refrigerantes e sucos industrializados, bolos, biscoitos doces e recheados, sobremesas doces e outras guloseimas como regra da alimentação.
- 8) Diminua a quantidade de sal na comida e retire o saleiro da mesa. Evite consumir alimentos industrializados com muito sal (sódio) como hambúrguer, charque, salsicha, linguiça, presunto, salgadinhos, conservas de vegetais, sopas, molhos e temperos prontos.
- 9) Beba pelo menos dois litros (seis a oito copos) de água por dia. Dê preferência ao consumo de água nos intervalos das refeições.
- 10) Torne sua vida mais saudável. Pratique pelo menos 30 minutos de atividade física todos os dias e evite as bebidas alcoólicas e o fumo. Mantenha o peso dentro de limites saudáveis.