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O difícil recomeço

Após as enchentes, é a hora de recomeçar

Tristeza e lágrimas demonstram a dor de quem teve a casa tomada pela água

31/08/2013 - 09h06min

Atualizada em: 31/08/2013 - 09h06min


Antônio e Dalva: casa alagada na Vila dos Herdeiros

Os relatos de tristeza de quem viu o que adquiriu com esforço ser levado pelas chuvas costumam vir acompanhados de lágrimas, voz embargada e silêncios. É difícil explicar a dor de ter a casa tomada pela água e não saber por onde recomeçar.

Mesmo assim, eles recomeçam. Corajosos, tentam outra vez. Esperam para poder remover o lodo, limpar a sujeira, ver o que restou e contar prejuízos. Para quem já está acostumado a enfrentar alagamentos, esse é um triste ritual.

A chuvarada desta semana não fez distinção. Atingiu casas em bairros de classe média e em áreas consideradas de risco. E, por mais que os municípios tenham obras em andamento para tentar solucionar o problema, o ritmo das melhorias nunca é suficiente. Não há tempo de evitar os estragos da próxima enchente. Soma de prejuízos

Com água pelo pescoço

Um pedaço de papel com o número oito escrito a caneta sinaliza a moradia provisória da servente de obras Lenis de Fátima da Silva, 36 anos, do carpinteiro José Valeir de Oliveira, 42 anos, e da pequena Vitória da Silva de Oliveira, sete anos.

Em uma barraca de lona vermelha montada no Centro de Eventos de São Leopoldo, que está acolhendo 30 famílias desabrigadas do município, o casal e a filha reuniram tudo que conseguiram salvar da casa alagada no Bairro São Geraldo: a roupa do corpo e um colchão.

- Saímos de casa com água pelo pescoço. Tentamos erguer as coisas para salvar, mas não deu, foi muito rápido. Perdemos tudo, até os documentos - relata Lenis.

Ainda bem que conseguiram salvar Peludo, o mascote da família. Fora de casa desde terça-feira, sem poder trabalhar nem estudar, eles estão vivendo de espera. E de esperança.

- Temos de recomeçar - sentencia Lenis.

Enquanto Vitória brinca na casa improvisada, o município trabalha no desassoreamento do Rio dos Sinos. Cerca de 40% da obra já foi feita, segundo o coordenador do convênio entre a prefeitura e o Ministério da Integração Nacional, Antônio Geske.

Outros R$ 6 milhões devem ser enviados para a conclusão do serviço. Um grupo de trabalho foi formado para elaborar projetos voltados aos moradores de áreas sujeitas a alagamentos.

Só o quadro na parede

O quadro pendurado na parede da sala é um dos poucos objetos que ficaram no lugar na casa em que moram o auxiliar de topografia Alisson Thiago Alves do Prado, 30 anos, a mulher dele, Thais Godoy da Silva, 35 anos, e os três filhos.

- Um dia a gente estava aqui rindo e brincando. No outro, tá desse jeito - desabafa Alisson.

Atingidos pelo alagamento do Bairro São Sebastião, em Esteio, eles fazem o balanço do que será possível recuperar. Estante e mesa da cozinha tiveram perda total, assim como a geladeira, a cama, a tevê e um dos roupeiros. O que não estragou tanto será reaproveitado.

A construção da Avenida Beira-Arroio, que funcionará como um dique, é um dos projetos do município para atuar na contenção contra cheias. As famílias que moram às margens também serão removidas para 142 novas moradias.

O desassoreamento dos arroios Sapucaia e Esteio é outra medida em andamento, e melhorias previstas no Pac I incluem contenções nos cursos d’água e obras de drenagem na Rua Bento Gonçalves. Outros R$ 22 milhões serão investidos em projetos inscritos no Pac 2.

Até o carnê se foi

Ainda faltam duas prestações para a dona de casa Dalva Menegaz Araújo, 63 anos, quitar o roupeiro novo que comprou para o quarto que divide há 48 anos com o marido, o aposentado Antônio Benitez Constante de Araújo, 69 anos. Mas o alagamento que atingiu a Vila dos Herdeiros, no Bairro Agronomia, levou até o carnê de pagamento.

A casa deles é sempre uma das primeiras a ser atingida quando o Arroio Dilúvio transborda.

- A porta da sala ficou três dias sem fechar, porque inchou. Esses móveis, se eu mexer, é para botar fora - conta Antônio, apontando para as estantes. 

Apesar das melhorias recentes executadas pelo Dep, e do investimento de R$ 237 milhões recebido pelo município para investimento em drenagem, regiões consideradas de risco, como a Vila dos Herdeiros, não são beneficiadas diretamente. Um grupo de trabalho foi montado para discutir a situação da comunidade, incluindo um plano de remoção das famílias. 

Soma de prejuízos

O aluguel de um pequeno apartamento, ao custo de R$ 300 por dez dias, foi mais uma despesa que o alagamento no Bairro Americana, em Alvorada, trouxe para Romana Vitalis Trindade, 62 anos, e Eli José Soares Trindade, 58 anos. O casal de aposentados enfrenta a sua quarta enchente.

- Essa tá sendo a pior de todas. Ano passado eu perdi todos os roupeiros. Comprei novo e está tudo debaixo d’água outra vez - desabafa Romana, enfrentando o alagamento ao lado do marido para buscar algumas roupas.

O rancho do mês, assim como móveis da cozinha, sofá e cama entram na conta do prejuízo. E a soma inclui ainda a frustração e a tristeza de ver a casa ser tomada pela água.

O município prevê a construção de um dique, que abrangerá ainda Viamão e Porto Alegre, para solucionar o problema.

As obras são estimadas em torno de R$ 226 milhões, sendo o custo para a cidade de R$ 60 milhões. O governo do Estado está encaminhando a documentação para a licitação (concorrência pública).

Morada sumiu na enchente

Sobre colchões doados pela prefeitura de Novo Hamburgo, Eliane Silva e Silva e o marido Márcio dos Santos, ambos de 27 anos, contabilizavam as perdas, na quarta-feira. Pais de três crianças - de quatro, seis e dez anos -, eles tinham acabado de construir a casa de alvenaria, de cinco cômodos, no Bairro Canudos. Tomada pela água na noite de segunda-feira, a nova morada sumiu na enchente junto com todos os móveis da família.

- Saímos de barquinho só com a roupa do corpo. Perdemos tudo - disse Márcio, que trabalha como pistolador industrial.

Esta pode ter sido a última enchente enfrentada pelos moradores das vilas Getúlio Vargas e Kippling, no Bairro Canudos. Pelo menos é a promessa do secretário de Obras de Novo Hamburgo, Enio Brizola.

- Assim que as águas baixarem, começarão as obras de um dique de dez metros de altura no Arroio Pampa, que protegerá as duas vilas - garante Enio.

Avaliado em R$ 7,2 milhões, o dique será feito com gabiões (pedras reunidas por uma tela, em formato de muro).


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