Eldorado do Sul
"Enrolaram a minha filha, que é uma criança", afirma pai de menina suspeita de vandalismo em escola
Adolescentes que incendiaram a Escola La Hire Guerra foram apreendidos na manhã de quinta-feira
"A internação é a única forma de fazer com que os adolescentes repensem suas ações e reflitam sobre a necessária mudança de comportamento".
Foi assim, com tom disciplinador e inédito em casos de vandalismo contra escolas, que a juíza da Infância e Juventude de Eldorado do Sul, Luciane di Domenico Haas, determinou as internações provisórias dos nove adolescentes apontados como responsáveis pelo incêndio da Escola Municipal de Ensino Fundamental La Hire Guerra, no Bairro Sans Souci, na madrugada de 12 de agosto.
Logo nas primeiras horas da manhã de ontem, agentes da DP de Eldorado desencadearam a Operação Educare. Uma menina de 13 anos, dois guris de 14, quatro de 16 e outros dois de 17 anos foram apreendidos nas suas casas. Apenas um, de 17 anos, jamais estudou na La Hire Guerra. Todos moram próximos ao local destruído pelo vandalismo. Não houve resistência mas, durante os depoimentos de mais de 20 pessoas nos últimos dias, nenhum dos envolvidos mostrou arrependimento.
- Sentimos que era necessário uma reação dura diante da gravidade dos fatos, porque eles se mostraram adolescentes frios - afirma o delegado Alencar Carraro.
Gurizada é de classe média
Mas não seria simples. A operação não seguiu os moldes tradicionais das ações policiais. Os agentes foram acompanhados por oficiais do juizado e por conselheiros tutelares.
- São adolescentes de classe média, filhos de pais trabalhadores. Todos na comunidade se conhecem. Precisávamos ter certos cuidados para proteger essas pessoas de uma reação popular - afirma o delegado.
Começa com a falta de educação
Mesmo negando que os filhos tenham participado do vandalismo, entre os pais - todos ouvidos pela polícia -, houve uma unanimidade: a dificuldade de impor limites aos filhos.
Em pelo menos um dos depoimentos, essa constatação se materializou. O adolescente gritou com o pai diante dos policiais. Outro, ao receber a intimação em casa para prestar depoimento, mesmo depois da confirmação da mãe de que ele compareceria, deu de ombros: "Não sei se vou".
- Não é um grupo com histórico de antecedentes policiais. Quem não é aluno da escola, já foi. E eles compartilham de um perfil periférico nesse ambiente. São repetentes, com alto índice de evasão e faltas, além de problemas disciplinares que envolvem até mesmo agressões - relata o delegado Alencar Carraro.
Dois guris admitiram à polícia que, em duas ocasiões, tentaram furtar o bar da escola. O único que não era estudante da La Hire Guerra, de 17 anos, envolveu-se neste ano em um roubo a ônibus com um disparo, que deixou uma pessoa ferida.
Gastos com reformas chegam a R$ 1 milhão
Internados provisoriamente, os nove adolescentes poderão ficar na instituição até
45 dias. É o período máximo para que a Justiça encerre o procedimento pelos atos infracionais de incêndio doloso, formação de quadrilha e dano ao patrimônio.
Nesta fase, as condutas de cada um serão individualizadas. E as penas, que podem ir desde a prestação de serviço até a internação, dependerão dessa análise.
De acordo com a investigação, a ação dos adolescentes foi puro vandalismo. Nenhum apontou um motivo aparente. Três pavilhões foram arrombados e incendiados.
Aproximadamente 700 alunos ficaram uma semana sem aula. E o prejuízo estimado chegou a R$ 1 milhão.
Ação teve início com bebedeira. E deu no que deu...
Ainda na madrugada do ataque, dois guris foram apreendidos no local e confessaram o crime. Eles apontaram outros dois, também ouvidos pela polícia horas depois. Mas, de acordo com o delegado Alencar Carraro, nem todas as informações correspondiam ao que foi encontrado.
- Desde o começo, ficou claro que muitas pessoas participaram, pois cada sala invadida tinha características diferentes. Umas com papéis queimados, outras com cortinas incendiadas - disse.
A participação do grupo foi ficando clara ao longo dos depoimentos e com o monitoramento das redes sociais.
Guria confessou, depois mudou
Uma menina de 13 anos publicou no facebook a participação. Abriu, assim, caminho para a identificação dos demais envolvidos.
Em depoimento, depois, ela negou participação e garantiu que a postagem foi "uma brincadeira" diante da repercussão do caso no bairro.
A conclusão da polícia é de que eles se reuniram na noite do domingo, dia 11, para beber próximo da casa de um dos suspeitos. Embriagados, dois deles teriam dado a ideia de invadir a escola.
Munidos de gasolina, fósforos e um isqueiro, pularam o muro lateral do colégio. Dividiram-se entre o pavilhão onde ficavam as salas de atividades e os instrumentos da banda, o espaço administrativo e as salas de aula. Na fuga, um deles deixou cair o boné.
Como foi o incêndio*:
- O grupo de adolescentes encontrou-se por volta das 23h do domingo, dia 11. Beberam e foram até as proximidades da escola. Foi quando decidiram entrar "para bagunçar".
- Àquela altura, eles já estariam com fósforos, isqueiro e, segundo testemunhas, gasolina.
- A primeira porta arrombada foi a do setor administrativo, onde um adolescente teria encontrado álcool. Com um isqueiro, ateou fogo em um armário, com cartolina e papéis. Foi a largada para que os demais adolescentes se espalhassem pela escola incendiando cortinas e papéis.
- O fogo que destruiu os instrumentos da banda teria iniciado nas sacolas plásticas mantidas na sala da Educação Física. Logo após atearem fogo neste local, fugiram.
- Por volta da 1h10min, o policial militar Saimon Rodrigo Pereira de Souza, que mora em frente à escola, ouviu barulhos vindos dali. Um vizinho gritava. Ele foi o primeiro a visualizar o fogo intenso em um dos pavilhões. Conseguiu deter dois adolescentes e, em buscas, localizou outros dois apontados como participantes.
(*) Baseado nos dados do inquérito
"Enrolaram a minha filha, que é uma criança"
Durante a manhã de ontem, pais e mães perambulavam pela DP de Eldorado do Sul. E mesmo que tenham participado de todos os depoimentos anteriores dos filhos, ontem asseguravam suas inocências. Um deles era um aposentado de 47 anos, pai da menina de 13 anos. Garante que a filha não participou do vandalismo. E falou ao Diário Gaúcho.
Diário Gaúcho - Onde estava sua filha no momento do crime?
Pai - Dormindo, inclusive, na mesma cama que minha esposa. Na hora que estão dizendo que aconteceu, é impossível que ela tenha participado.
Diário - Ela está apontada como participante...
Pai - Porque ela escreveu no facebook, mas foi só de brincadeira, para aparecer. Até encaminhei ela para um psicólogo. Quero entender por que ela fez essa brincadeira. Estranhei é levarem ela assim, sem prova concreta. No depoimento, eles enrolaram a minha filha, que é uma criança.
Diário - Como é o comportamento escolar dela?
Pai - Sempre foi muito querida pelos professores. Rodou um ano, quando estava passando por momento difícil, mas logo se endireitou. Agora, ela estava melhorando as notas, mas como vamos ficar depois disso tudo?
Sem nomes
O Diário Gaúcho não divulga o nome nem o endereço dos envolvidos em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente, que não permite a divulgação.