Os clientes sempre vão até ele, mas um dia a lógica se inverteu e Francisco Carlos Machado da Silva, o Chico da Graxa, 48 anos, pegou seus apetrechos e foi até à mansão de seu cliente mais famoso: o advogado criminalista Oswaldo de Lia Pires, falecido em 2010.

Homem de hábitos refinados, ternos impecáveis e automóveis clássicos, Lia Pires havia separado dezenas de pares de sapatos, alguns deles bicolores, para receberem o tratamento vip das mãos engraxadas de Chico.

A cadeira ficou vazia

Naquele dia, por esse motivo especial, o engraxate deixou vazia a cadeira que ocupa há 30 anos na Esquina Democrática, onde a Borges encontra a Rua da Praia.

- Fiquei no jardim lustrando, lustrando, eram muitos sapatos mesmo - relembra Chico, que sofre de estrabismo (distúrbio que afeta o paralelismo entre os dois olhos, que apontam para direções diferentes).

Voltou de ônibus

Terminado o serviço, o morador de Alvorada assustado com tanta pompa, almoçou com o advogado de oratória flamante e sacadas geniais, mas recusou-se a voltar para o Centro numa das Mercedes que Lia mantinha na garagem.

- Ele pediu para o motorista me levar, mas eu não aceitei e voltei de ônibus. Aquilo era demais pra mim - diverte-se o engraxate, com saudade do jurista.

Naquele dia, Chico trocou uma Mercedes por outra.

Pés ilustres, mãos generosas

Sempre que pode, o senhor Roberto de Assis Moreira, o Assis, irmão e empresário de Ronaldinho Gaúcho, entrega os pés para Chico pintar o couro dos seus sapatos importados. E quando o ex-jogador está sem tempo para cuidar dos calçados, dá um mimo ao engraxate.

- Um dia ele estava passando com um cara aqui na Rua da Praia e me jogou R$ 20 - diz o gremista Chico.

O ex-jogador e atual vereador Tarciso "Flecha Negra" e o advogado Nereu Lima também são seus clientes. Certa vez o ex-boxeador Adilson Rodrigues, o Maguila, de passagem por Porto Alegre, sentou o corpanzil na sua cadeirinha de ferro. O homem que dizia para os adversários "se cair para dentro, o couro vai comer" se rendeu ao talento do engraxate, um peso pena perto daquela montanha de músculos.

Regalos em dinheiro

Em três décadas, quantos sapatos Chico terá engraxado, trabalhando de segunda a sexta-feira, sem férias, e folgando apenas nos feriados? Num cálculo otimista de 15 graxas por dia, ele engraxou e lustrou mais de 100 mil pares de sapatos. Ao preço de hoje, R$ 5 o serviço, o morador de Alvorada e pai de quatro filhos teria acumulado cerca de R$ 500 mil - dinheiro suficiente para comprar uma casa e um carro.

Mas Chico continua indo e vindo de ônibus da casa para o trabalho, todos os dias com a mesma simplicidade.