Agricultores de metrópole
Produção rural resiste em Canoas, na Região Metropolitana
A agricultura urbana, de acordo com a Emater, tem 32 representantes na cidade, a maioria no Bairro Mato Grande
Os milhares de motoristas que passam diariamente por Canoas, cruzando pela BR-116, enxergam concreto e asfalto para todos os lados. No entanto, quem prestar atenção perceberá a persistência de uma produção agrícola que chega a ser inusitada.
A agricultura urbana, de acordo com a Emater, tem 32 representantes em Canoas (maioria no Bairro Mato Grande) com produção comercial - vendem à Ceasa e para grandes estabelecimentos, como supermercados, explica o engenheiro agrônomo do escritório municipal da Emater, Roberto Schenkel.
Nas origens do município, em 1871, estão as propriedades rurais. Hoje, porém, a maioria dos 324 mil moradores de Canoas nem quer saber da lida na terra, mesmo com salário que pode chegar a R$ 1,2 mil mensais.
Nem moradores sabem
O presidente da Associação de Produtores Rurais do Bairro Mato Grande, Luiz Vanderlei Schein, 50 anos, conta que existiam 75 propriedades produtoras de hortaliças na região dez anos atrás. Hoje, são apenas 19.
- Não tem rentabilidade. Os nossos filhos estão indo embora, não querem trabalhar na terra. A gente acredita que essa produção de hoje vá durar mais cinco anos, no máximo - conta Luiz.
Há dois anos, o desconhecimento de que existe agricultura em Canoas gerou até atrito durante feira de produção local. Diante de agricultores com alfaces e rúculas, alguém disse:
- Vocês compram na Ceasa e vêm vender aqui? Isso não pode.
- Foi difícil convencer pessoas que moram no município de que a gente planta aqui (em Canoas), sim! - disse Luiz.
Sem trégua, com chuva ou sol
A maior parte das propriedades do Mato Grande fica perto da BR-448, a Rodovia do Parque, prevista para dezembro. A via, aliás, será excelente atalho para escoar a produção na Capital.
- Vai diminuir pela metade o tempo de deslocamento, que hoje é de 25 minutos - comemora Olmir Bittencourt dos Santos, o Chico Granjeiro, 50 anos, em Canoas desde 2000.
Chico é de Ronda Alta, a 343km de Porto Alegre, mas saiu de lá porque a produção de milho e soja já não rendia. Foi empregado até arrendar três hectares em 2003. Com ele, trabalham os filhos, de 25, 27 e 30 anos, além de 20 pessoas, que vendem por mês 6 mil dúzias de produtos. Porém, achar empregado é difícil, apesar dos R$ 60 pagos por dia por nove horas de lida:
- Tem de colher, plantar e capinar todos os dias, com chuva ou sol.
Progresso com limites
A história da agricultora Claudete Chiquins, 40 anos, começa no Interior, passa pela Capital e se firma em Canoas. Foram altos e baixos até chegar ao ponto de orgulhar-se dos cinco imóveis que adquiriu:
- Estamos em uma situação mais segura, mas passamos por problemas bem sérios.
Claudete nasceu em Ametista do Sul, a 442km da Capital, e foi lá que aprendeu a plantar, com o pai. Para tentar uma vida melhor com o marido, Helmuth Fischer, 46 anos, com quem está casada há 24 anos, veio para a cidade grande e se instalou na antiga Vila Dique, onde moraram por três anos:
- Era muita tensão. Tinha gente boa, mas a área era invadida.
Então, o casal arrendou uma área de 3,2 hectares e lá está há 18 anos. Tem dois filhos, de 13 e 23 anos. O mais velho está se engraçando com a lida na terra, plantando verduras variadas. Contudo, Claudete quer que o caçula siga outro rumo. Ela também acha o trabalho muito desgastante. Porém, como têm um sócio, Claudete e Helmuth conseguem tirar férias.
O receio, agora, é com a BR-448. Claudete admite:
- Aqui é bem tranquilo de morar, não tem violência. Imagino que algo vai mudar, vai ter mais barulho. Que o progresso venha, mas que a minha rua seja sem saída para não ter acesso à BR.
Experiência de 74 anos na lavoura
Entre os mais experientes em atividade no Bairro Mato Grande está o agricultor Olímpio Pereira Garcia, 89 anos. Ele vive no mesmo pedaço de terra de 3,5 hectares há 74 anos. Nascido em Gravataí, chegou em Canoas aos 14 anos, em busca de serviço na lavoura.
- Em Gravataí, tinha mandioca, feijão e milho, mas era muita gente. Estava difícil conseguir trabalho, então, vim para Canoas, onde tinha muitas plantações e pouca gente - explica Olímpio.
Entre 1939 e 1947, foi empregado. Depois, comprou a terra e passou a ter sua própria horta em parceria com a esposa, que faleceu em 2000. Agora, ele já não planta mais: quem faz a tarefa são dois de seus filhos, Iraí José Garcia, 63 anos, e Vera Lúcia Garcia, 49 anos. Olímpio fica somente na supervisão. A família vende à Ceasa.
- Até os 85 anos, eu ia muito bem na plantação. Agora, não dá mais, apesar de ter muita saúde - conta o veterano.
Estratégia para ganhar mais
Aos 58 anos, a agricultora Maria Luiza Pacheco se orgulha do que conseguiu manter nas terras que eram do seu pai. Há 15 anos, ao se separar do marido, teve de tocar sozinha a propriedade de oito hectares - e lidar com a separação. Mas fez a horta vingar.
Hoje, duas famílias plantam na área e levam 40% do valor da produção. Maria Luiza faz sozinha a entrega das hortaliças em cozinhas industriais, supermercados e fruteiras. Prefere não vender na Ceasa, e sua estratégia dá certo: evitando intermediários e a necessidade de mais funcionários, ganha praticamente 50% a mais.
- No início, tinha um pouco de vergonha. Mas o que eu sabia fazer era plantar, né? Aí descobri o segredo do sucesso: trabalhar, trabalhar e trabalhar - comenta a agricultora, que já se aposentou mas não pensa em parar.
Outra coisa que virou pensamento certo para Maria Luiza é que a única filha, de 25 anos e estudante de gestão financeira, não deve trabalhar na terra. Hoje, ela atua em um escritório de contabilidade.
- Apesar de eu ter feito também contabilidade no colégio, meu pai não me deixava trabalhar. E a vida impôs isso para mim, não tem saída. Para ela (filha), quero uma vida menos sofrida. E estudo é uma herança que ninguém tira - justifica Maria.
Saiba mais
- No Mato Grande, há plantações de arroz e de hortifrutigranjeiros como brócolis, espinafre, rúcula, alface, chicória, agrião, cebolinha, pepino, abobrinha, tomate, pimentão etc.
- A área é considerada de expansão urbana com atividade agrícola - a população não é considerada rural.
- Existem cerca de mil hectares de arroz e 80 hectares de hortigranjeiros. A renda mensal média por hectare dos horti é de R$ 3 mil (um hectare significa 10 mil², pouco maior do que um campo de futebol).
- Os agricultores de Canoas se dividem em 32 com produção comercial, 42 participantes de hortas comunitárias, 19 produtores para mercados de vizinhança e 52 pescadores.
- A prefeitura mantém programas de apoio à produção de alimentos. Informações: 3465-3933.