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Embaixo d'água

Setembro terá chuva acima da média no Estado

O mês que se inicia no domingo será ainda pior, segundo previsões meteorológicas

30/08/2013 - 07h43min

Atualizada em: 30/08/2013 - 07h43min


Enchente histórica no Vale do Sinos faz com que moradores do Bairro Feitoria tenham de usar barco

Moradores das cidades do Vale do Sinos devem se preparar para setembro. Se as previsões climatológicas se confirmarem, a região poderá ter 26% a mais de chuva do que a média do mês, de 140mm.

E depois de quatro dias de sol e temperaturas em elevação, as chuvas já retornam ao Estado neste domingo, acompanhadas de vento e até granizo, segundo a meteorologista Tatiane Martins, da Somar Meteorologia, com sede em São Paulo.

- A primeira quinzena de setembro terá chuva em grande quantidade, mas em dias mais espaçados. A segunda, porém, será ainda mais chuvosa, mais fechada, com até quatro dias seguidos sem sol - prevê.

A explicação para a precipitação acima do normal estaria no avanço lento das frentes frias sobre o Estado, que acabam se chocando com as massas de ar quente vindas da Amazônia.

- Estamos num período de neutralidade climática, sem fenômenos como El Niño (fenômeno de aquecimento das águas do Oceano Pacífico, que aumenta a pluviosidade na América). Mas estes choques acabam formando chuvas e tempestades sobre o Sul - justifica.

Na Capital, o volume acumulado de chuvas também está previsto para ficar ligeiramente acima da média - de 139mm poderá chegar a 145mm no mês.

- Quando para a chuva, aí é que aumenta a água.

O relato da auxiliar de produção Iara Terezinha dos Santos da Silva, 45 anos, define bem a realidade enfrentada pelos moradores do Bairro Americana, em Alvorada. O dia de sol, que poderia trazer alívio, nem de perto é o fim da tormenta.

Mesmo que a chuva, responsável pelo aumento no nível do Arroio Feijó, já tenha parado, a água continua a descer de outros rios e córregos rumo ao Guaíba. Por isso, o volume tende a aumentar, dando início ao sofrimento da comunidade.

- Metade da minha casa está alagada, desde terça-feira. E tá subindo cada vez mais.

Eu tinha comprado material de construção, areia, cimento, foi tudo fora - lamenta Iara, atravessando a Rua Itararé com água pelos joelhos, com os filhos Rafael, sete anos, e Tamires, 24 anos.

Sem creche, sem trabalho

Ao lado dela, a confeiteira Taiane Maísa Lopes de Souza, 31 anos, levava os filhos Thales, cinco anos, e David, quatro anos, pelas mãos. As botas dos meninos não davam conta de protegê-los da água fria e suja.

Sem ter onde deixá-los, porque a única creche do bairro está alagada, Taiane se revolta com a situação.

- A gente não pode trabalhar, porque não tem onde deixar as crianças. E isso não é de hoje. Estamos só organizando as casas e vamos embora, porque não dá pra ficar aqui sem luz - desabafa.

Nos mais de 30 anos que mora na Rua Gaspar Martins, no Bairro Sumaré, em Alvorada, o graniteiro João Antônio Deviti, 56 anos, já se acostumou a enfrentar alagamentos quase todos os anos.

- Eu sempre peguei enchente, toda a vida é assim - relata.

Com mais de 40cm de água dentro de casa, ele ergueu os móveis que conseguiu e saiu com a mulher para se abrigar na casa de amigos. Mas não ficou distante por muito tempo. De bermudas e chinelos, enfrentou o aguaceiro na manhã de ontem para ver como estava a situação da moradia.

- Essa é uma das enchentes mais fortes. Mas vamos enfrentar a água - conforma-se. 

Plano foi montado

Um atendimento de emergência foi montado pela prefeitura na Rua Itararé, com serviços de cadastramento para distribuição de mantimentos e agasalhos, unidade móvel de saúde, utilização de máquinas para retirada de móveis e apoio dos bombeiros.

Na tarde de ontem, em parceria com a Corsan e com o acompanhamento do Dep, teve início o bombeamento de água para o canal nas proximidades da Fiergs, na Capital, para minimizar os danos do alagamento no Bairro Americana.

O número de desalojados (acolhidos em casas de parentes e amigos), chegou a 635 pessoas. Há necessidade de doações de cobertores, colchões e roupas para crianças de até dez anos, além de itens de higiene e limpeza.

Situação preocupante no Vale do Sinos*

A enchente que atingiu o Vale do Sinos deixou gente, como Cleidiano Vitorino da Silva, 30 anos, em situação difícil. Morador do Bairro Feitoria, em São Leopoldo, desde domingo ele troca a guarda com o cunhado sobre o telhado da casa, para evitar saques no local.

- Não arredo pé. Daqui dá para vigiar a minha casa e a dos vizinhos. Quando cai a noite, os vagabundos passam de barco por aqui rondando para saquear as casas. Aqui eles não entram porque a gente foca - diz. 

Ele integra um contingente de 17.754 pessoas afetadas pelas inundações em 36 municípios, conforme dados da Defesa Civil estadual. Um número que cresceu, pois estava em 9.986 atingidos no boletim das 18h de quarta-feira. Até ontem, três pessoas haviam morrido, e uma se feriu. Dos 14,8 mil desalojados no Estado, 8 mil estão em São Leopoldo e 3 mil em Novo Hamburgo.

Mais três dias para baixar

O tenente-coronel Alexandre Teixeira dos Santos, coordenador regional da Defesa Civil na Área Metropolitana, explica que o nível do Rio dos Sinos tem baixado 10cm a cada 12 horas e que o vento continua soprando no sentido Norte, o que ajuda a aumentar a vazão das águas.

- Acredito que, em São Leopoldo, ainda leve 72 horas para que o nível da água baixe ao ponto de aliviar as casas. Em Alvorada, outra região bem crítica (é uma planície), pode levar até dez dias - arrisca.

Apesar do sol forte de ontem, em bairros como Feitoria e Scharlau, a água passava de um metro de altura em diversas ruas.

Cheia do Sinos

Por que o fim da chuva não diminuiu os alagamentos no Vale do Sinos? Graças a uma série de fontes naturais que influenciam na demora da vazão da água.

- Águas de afluentes - Como a Bacia do Rio dos Sinos tem a contribuição de vários rios e arroios localizados em áreas altas, muita água continua escorrendo do que ficou reservado nelas. Mesmo diminuindo a velocidade da vazão dos afluentes, a
água que estava parada na parte baixa da bacia, em uma planície, fica parada. Há também o acréscimo de água acumulada no Rio Caí, por meio da barragem hidrelétrica da Ceee em São Francisco de Paula, ao Rio Paranhana, integrante da bacia. Além disso, quando chove muito, várias barragens na parte baixa são abertas para dar vazão. Acabam alimentando mais ainda o Rio dos Sinos.

- Vento - De sábado até terça-feira, o vento soprou forte e constantemente de quadrante sul, algo que represa a água do rio. Somente na quarta-feira, o vento ficou mais fraco e começou a mudar de sentido. O ideal para uma rápida vazão é de que não haja vento.

- Lençol freático - O lençol freático (reservatório de água subterrânea decorrente da infiltração da água da chuva no solo) saturado continua ajudando no aumento do nível do rio. Mesmo com o fim da chuva, a água retida inicialmente começa a aflorar, o que aumenta a quantidade na superfície.

- Temperatura - O solo com temperatura alta ajuda na evaporação da água e na consequente diminuição no nível dos rios. Mas a temperatura do terreno está muito baixa em função das ondas de frio registradas desde julho no Estado.

* Por Kamila Almeida (kamila.almeida@zerohora.com.br)


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