ClassiDiário
Um debate sobre duas rodas
Projeto traz mudanças para aumentar a segurança dos condutores de motos
Diante dos altos índices de acidentes com motociclistas, autoridades e especialistas são unânimes: a imperícia é fator chave para a violência no trânsito. O modelo atual para obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) de categoria A recebe críticas pelo baixo nível de preparação com que os pilotos saem do curso para as ruas. Propostas para qualificar o processo não faltam, mas também sobram divergências sobre o que deve ser alterado. Até o consenso, será preciso percorrer uma longa estrada.
Uma das iniciativas para modificar a formação dos contudores de moto foi criada por técnicos do Departamento Estadual de Trânsito (Detran/RS). Elaborado em julho do ano passado, o projeto traz sete sugestões principais (veja o quadro abaixo).
Aulas na rua geram polêmica
Uma das alterações mexe no ponto que é mais criticado no modelo em vigor: a ausência de aulas de direção em via pública. Pelo projeto, a carga horária do curso prático seria acrescida em 10 horas, realizadas em via urbana, em locais previamente definidos, com pouca circulação de veículos e pedestres.
- Passaríamos a disponibilizar espaços vivenciais para a prática monitorada, que seria executada com o instrutor em outro veículo, utilizando pontos de comunicação - explica o diretor técnico do Detran/RS, Ildo Mário Szinvelski.
Assim como as aulas, o exame de direção também seria realizado em duas etapas. A primeira no circuito fechado, para avaliar o manejo do veículo, e a segunda na via, para observar o respeito às normas de trânsito.
Risco de acidentes é questionado
Apesar de considerar a prática na rua uma contribuição para a formação do condutor, alguns instrutores avaliam a medida como arriscada.
- Ainda não existe uma forma segura de oferecer isso - opina o instrutor prático de moto João Paulo Ducatti, com nove anos de experiência.
Ildo argumenta:
- Hoje o aluno realiza as 20 horas no circuito fechado, faz o exame e é considerado preparado para ir à rua. O que o Estado propõe é um espaço reservado para vivenciar situações reais, de forma monitorada. E se houver acidente? Terá de haver seguro, evidentemente, e o aluno só será liberado quando se tiver a confiança de que ele está pronto.
Para o instrutor prático Daniel Xavier, que trabalha na área há 14 anos, a questão é mais delicada.
- Acidentes com carros de autoescolas são comuns, mas o dano não passa do material. Com a moto é diferente. Pode acontecer uma invalidez ou até morte. Como eu vou dizer para o pai de um jovem de 18 anos que o filho dele faleceu na aula? - questiona.
Uma alternativa, segundo Daniel, seria a instalação de sinalização em circuitos maiores, em áreas como parques, que permitiriam a circulação de vários veículos ao mesmo tempo:
- Poderiam se criar megacircuitos regionais que iriam aproximar bastante da realidade.
Propostas do Detran/RS
1 - Direcionamento de conteúdos teóricos
- Mais 11 horas/aula relacionadas especificamente a categoria de motos.
2 - Realização do curso de prática de direção veicular em duas etapas
- Na área de treinamento até o domínio da moto.
- Em via pública urbana, em espaço previamente definido, com pouca circulação de veículos e pedestres.
- O instrutor, em outro veículo, iria monitorar a prática na rua por meio de pontos de comunicação.
3 - Exame prático em duas etapas
- Na área de treinamento específico.
- Na via pública.
4 - Regulamentação de equipamentos obrigatórios para o motociclista
- Além do capacete, botas, luvas, calças e jaquetas de couro ou com proteção para joelhos e cotovelos.
5 - Retomada do Artigo 56 do CTB.
- Retirar o veto, tornando infração a passagem entre veículos, o chamado corredor, exceto para se posicionar estrategicamente na via, quando o trânsito estiver parado. Diante do sinal fechado, por exemplo, o motociclista poderia percorrer o corredor para chegar até a linha de retenção e não precisar arrancar entre os carros.
6 - Alteração da idade mínima para transporte de menores em motocicletas
- De sete para dez anos - a mesma idade permitida para transporte no banco dianteiro de veículos de quatro rodas.
7 - Modificação na carga horária do Curso Especializado de Motociclista Profissional (Mototaxista e Motoboy)
- Passar de 30 para 50 horas/aula, sendo 30 horas de aulas teóricas e 20 de prática.
Ideia é o que não falta
Na Câmara Federal e no Senado tramitam uma série de projetos que buscam reduzir o impacto da violência no trânsito sobre os motociclistas.
Uma proposta do deputado federal Walter Feldman (PSDB-SP), semelhante a uma das alterações sugeridas pelo Detran gaúcho, visa restringir a circulação de motos no corredor.
Para o professor de transportes da Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), João Fortini Albano, doutor em sistemas de transportes e logística, a intenção é boa, mas seria impraticável ao atual sistema viário brasileiro.
- Realmente traz mais segurança, mas passou o trem da história. Teria de ter sido implementada muito antes. Hoje, tirar a agilidade das motos só iria atravancar ainda mais o trânsito - opina.
Projeto quer ABS de fábrica
O senador Humberto Costa (PT-PE) pretende tornar o uso de airbag para motociclistas obrigatório. Mas a proposta tem baixa aceitação porque o equipamento ainda é muito caro.
Um projeto do senador Cyro Miranda (PSDB-GO) busca a obrigatoriedade do freio ABS para motos - em 2014, o dispositivo será exigido em todos os carros novos. A tecnologia ABS evita que as rodas travem durante a frenagem.
Abraciclo sugere dividir categoria A
Uma proposta da Associação Brasileira de Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares (Abraciclo) sugere a divisão da categoria A em três.
Pelo projeto, a obtenção da habilitação levaria em conta a potência da moto que o piloto pretende conduzir.
A categoria A1 iria substituir a Autorização para Condução de Ciclomotores (ACC), apenas para os veículos com potência entre 250 watts e 4 kW, ou de até 50cc.
A categoria A2 seria para motos de 4 kW a 30 kW, ou de 50cc a 350cc, e abrangeria a maior parte dos pilotos.
A carteira A3 estaria destinada aos veículos mais pesados, acima de 30kW ou 350cc, que exigem maior técnica de pilotagem.
Viabilidade do projeto é criticada
O principal objetivo da proposta seria evitar que pilotos inexperientes, mas com maior poder aquisitivo, ingressem no trânsito em veículos com força além da sua capacidade.
Em fóruns na internet, a viabilidade do projeto recebe críticas quanto à dificuldade de colocar em prática aulas com veículos esportivos.
- Muda pouco, pois o maior número de acidentes é com motos de baixa cilindrada. O ideal seria permitir a habilitação de moto apenas para adição de categoria, para quem já tenha um ano de experiência com carros - opina o instrutor prático João Ducatti.
Denatran avalia uso de simulador
O Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) já iniciou um estudo para modificar os parâmetros da categoria A da CNH. Entre as alternativas, a inclusão do uso de simulador para motos se destaca.
A proposta ganhou força a partir da aprovação da resolução 444, em 25 de junho, que obriga os Centros de Formação de Condutores (CFCs) de todo o país a implantar simuladores de carro até o dia 31 de dezembro. Dessa data em diante, os candidatos terão de fazer cinco aulas de 30 minutos no equipamento, antes de iniciar aulas práticas com o veículo.
A pedido do Denatran, um projeto de simulador para motos está em desenvolvimento na Fundação Certi, da Universidade Federal de Santa Catarina (USFC) - a instituição criou o protótipo para carros.
- Está na parte inicial de análise. O projeto de cooperação técnica iniciou em janeiro e o resultado parcial esperamos até novembro - revela a coordenadora-geral de qualificação do fator humano no trânsito do Denatran, Maria Hoffmann.
Apoio parcial ao equipamento
O diretor técnico do Detran/RS apoia a proposta, mas considera o simulador apenas um instrumento pedagógico complementar:
- É uma evolução, mas não pode ser considerado como o meio para ensinar o ato de dirigir. Não substitui a contribuição que a via pública traz.
O professor João Fortini Albano também aprova o simulador, mas enfatiza a necessidade de aulas práticas fora do circuito fechado.
- Tem que ir para rua. É evidente que o examinador não vai levar o motociclista para o fluxo da Avenida Ipiranga, mas o aluno precisa ter contato com a realidade - afirma.