Vizinhança tranquila
O homem que mora no cemitério em Canoas
Zelador do Cemitério Municipal Santo Antônio, no Bairro Estância Velha, em Canoas, homem mora sozinho entre mais de 8 mil túmulos

Por viver onde ninguém quer morar, Gilmar Xaviel Rosa, 44 anos, já foi confundido até com fantasma. Há 17 anos, a casa dele fica no Cemitério Municipal Santo Antônio, no Bairro Estância Velha, em Canoas. E é entre mais de 8 mil sepulturas que, durante o dia, Gilmar trabalha e, à noite, dorme.
Zelador e coordenador de equipe, é o único morador na casa de três cômodos logo depois do portão de entrada. Neste sábado, Dia de Finados, seu "pátio" ficará movimentado.
Quando participou de um concurso público para a Secretaria de Transportes, a responsável pelos cemitérios na época, Gilmar imaginava que a função seria outra.
- Entrei no concurso achando que viajaria em caminhões. Eu nunca tinha entrado num cemitério - conta.
Confira o vídeo com Gilmar:
Ele garante não ter medo
Não se assustou tanto com o primeiro enterro realizado, mas ficou sem dormir depois de exumar um corpo. Chegou a pensar em desistir. Mesmo depois de se acostumar, ainda sente desgosto:
- Quando é criança, a gente chora junto.
Em Canoas, dois cemitérios têm zeladores que moram nos terrenos (Santo Antônio e Chácara Barreto). Mas é Gilmar o mais antigo a desempenhar a função. Solteiro, chegou a dividir o espaço com a mãe, Maria Edite Todeschini, 62 anos. Ela, porém, acabou se mudando depois de seis anos. Antes, plantou as quatro árvores que hoje dão sombra à casa.
- As pessoas perguntam "como é morar lá dentro? Tu não tem medo?" Digo que não, pois abro a porta e já estou com as "visitas" na frente - comenta, acariciando o amigo fiel Sem Nome (um cão vira-latas de quatro anos).
Taxista pensou ver um fantasma
Certa vez, quando voltava de Santa Catarina, embarcou num táxi por volta das 4h30min. No caminho, evitou dizer ao taxista que iria ao cemitério. Quando estava chegando próximo à rua, pediu que o taxista fosse até o portão de entrada. Foi então que o motorista o olhou assustado.
- Desci do carro e disse para ele: "não te preocupa que eu tô vivo. Os cachorros ali já me reconheceram. Vou abrir o portão e vou entrar".
Rindo, Gilmar completou:
- Ele só se acalmou quando os meus cachorros se aproximaram.
"Passei a dar valor à vida"
Natural de Santa Catarina, Gilmar percebe como a vida mudou depois que passou a morar no cemitério. Quando volta ao Estado natal, os parentes, curiosos, perguntam sobre as histórias vivenciadas por ele.
- Aprendi a interagir com o ser humano, né? Com o público. Passei a dar valor à vida. Não adianta ter o bolso cheio se todos terminam aqui.
Apesar de afirmar gostar de onde vive, ele ainda precisa dar explicações quando fornece o endereço a uma loja, a uma telentrega ou a novos amigos.
- Sou bem sincero. O meu endereço é no Beco Luiz Carlos Muller, 186. A minha casa é dentro do cemitério, vou dizer o que?