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Tem pó, tem que molhar

Comerciante vira molhador de rua em Viamão

Via fica a menos de 5km de onde ficará hospedada a seleção do Equador durante a Copa do Mundo

21/04/2014 - 10h01min

Atualizada em: 21/04/2014 - 10h01min


Osvaldo Caetano de Oliveira, 72 anos, ao lado de seu caminhao-pipa durante o abastecimento em reservatorio de agua numa saibreira em Viamão

Era para ser uma tarefa, temporária, por apenas 24 meses. Mas a função de percorrer diariamente num caminhão-pipa o trecho não-asfaltado das estradas João de Oliveira Remião e do Espigão, no limite entre Porto Alegre e Viamão, acabou se tornando uma nova profissão para o comerciante aposentado Osvaldo Caetano de Oliveira Sobrinho, 72 anos.

Lá se vão 16 anos desde que ele entrou pela primeira vez no F-12000 azul para molhar as estradas. E nunca mais parou.

A pavimentação jamais chegou ao trecho que começa na Parada 24, Bairro Lomba do Pinheiro, na Capital, e segue pela localidade de Capororoca, em Viamão, a menos de 5km de onde a seleção de futebol do Equador ficará hospedada durante a Copa do Mundo. Sendo assim, carros, quatro linhas de ônibus e caminhões de pelo menos duas saibreiras que cruzam a estrada deixam um rastro de poeira para quem mora ao longo da via. Os que caminham nas margens da estrada acabam engolindo pó, se não protegerem olhos, nariz e boca.

Clima de guerra foi acalmado

Osvaldo recorda que a comunidade já chegou a ser contrária à passagem dos veículos. Para tentar amenizar o clima nada amistoso, as duas saibreiras se uniram.

- Eu puxava saibro para as saibreiras. Como o asfalto não vinha, as empresas botaram a pipa para molhar a estrada. Fui escolhido por morar na região e conhecer o povo e a situação - conta. 
 


Serviço para quando chove

Nos dias ensolarados, a rotina de Osvaldo começa às 7h, quando ele enche pela primeira vez o caminhão de oito mil litros. O trabalho segue até as 18h, indo e voltando a 60km/h pelas duas vias por onde passam os caminhões da empresa.

- Tem pó, tem que molhar. Faço até 80km por dia, indo e voltando. São cerca de 80 mil litros de água todos os dias. Mas, no rigor que eu fui criado, isso aqui é passeio - comenta, aos risos, o pipeiro.

Pelo contrato, ele ganha R$ 240 por dia trabalhado. Destes, R$ 40 vão direto para a manutenção do veículo. O serviço só para de funcionar nos finais de semana, feriados e quando chove.

- Já ouvi muito desaforo dos motoqueiros de outras regiões que não estavam preparados para a estrada molhada em dias de sol. Mas não tenho o que fazer, pois sou pago para desmanchar a poeira que atrapalha quem mora ao lado da estrada - justifica.
 
Sonho antes de morrer

Apesar de a estrada permanecer o tempo todo molhada, Osvaldo é cumprimentado pelos vizinhos.

- Isso (o serviço) é uma quebra do pó. É só para amenizar a poeira, porque em dias em que fica aquela nuvem, prejudica até a visão de quem anda por aqui - ressalta.

Comerciante aposentado, o pipeiro garante que não depende da função para sobreviver. Pelo contrário, como morador da região, também sonha com a pavimentação.

- Sinto que estou prestando um serviço para a comunidade, mas não é o suficiente para eliminar a poeira. O suficiente é asfaltar, isso sim. O meu desejo é ver o asfalto antes de eu morrer - finaliza.
 
Osvaldo seguirá como "pipeiro"

Se depender da pavimentação das duas estradas por onde passa diariamente, o pipeiro continuará na função por tempo indeterminado.

A Secretaria de Agricultura de Viamão informou que são mais de 1,2 mil km de estradas rurais na cidade, e não há previsão de asfalto. As cinco principais recebem manutenção com saibro, patrola e roçadeira a cada 40 dias. Nas demais, caso da Estrada do Espigão, a demora pode ser maior.

Custo de R$ 6 milhões

No trecho de terra da Avenida João de Oliveira Remião, pertencente a Porto Alegre e sob responsabilidade da Metroplan por ser uma via que interliga dois municípios, o histórico de protestos dos moradores se prolonga há três décadas. Eles relatam problemas respiratórios causados pela poeira.

As duas saibreiras pagaram R$ 45 mil do próprio bolso para elaboração de projeto de sondagem, topografia e medição da pavimentação da via.

Segundo o diretor de Gestão Territorial da Metroplan, Rodrigo Schnitzer, o custo para a pavimentação entre as paradas 24 e 31 é de R$ 6 milhões. Rodrigo afirma que, por enquanto, não há possibilidade de o asfalto chegar à região.

- Sugerimos ao Ministério das Cidades a pavimentação. Os técnicos, porém, não aprovaram a inclusão num pacote de obras para o Estado, por entender que a via não é uma prioridade.


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