Sem apoio do poder público
Um ano depois, eles continuam invisíveis
Um ano depois da publicação da série Invisíveis, burocracia e respostas desencontradas mantêm família do Bairro Restinga invisível aos olhos do poder público
A casa de madeira, onde o fogão à lenha funciona a todo o vapor, agora é a responsável por esconder a verdadeira realidade da família do ex-jóquei amador Adão Jesus César de César, 59 anos, da Vila Chácara do Banco, no Bairro Restinga, no Extremo-Sul de Porto Alegre. Mas a extrema pobreza, vivida por eles há mais de uma década, também segue lá. E, se depender das respostas do poder público, continuará existindo sem data para acabar.
Há um ano, quando tiveram a história retratada nas páginas do Diário Gaúcho na série que mostrava famílias na Capital com renda abaixo dos R$ 70 por pessoa e que não faziam parte dos programas sociais, os de César dividiam um estábulo com o cavalo cuidado por Adão, não tinham identidade própria, renda oficial, água encanada e também não estavam no Cadastro Único do Governo Federal, que os autorizaria a receber o Bolsa Família.
Trajetória com altos e baixos
De lá para cá, a visibilidade deles teve altos e baixos. Adão, a mulher Maria Helena, 51 anos, e os filhos Rosa Maria, 11, João Pedro, 13, Rodrigo, 17, e Alessandro, 22, ganharam os documentos, com a ajuda de uma líder comunitária local que os encaminhou, e uma nova moradia, doada e construída por um empresário sensibilizado pela situação.
Mas, sem água encanada, o reservatório doado pelo mesmo leitor acabou ganhando novo uso. É nele que fica a água repassada à égua Mariana e aos cinco cachorros espalhados pelo pátio.
Todos os outros problemas que tornavam os de César invisíveis aos olhos do poder público permanecem presentes. Tão reais quanto a dor de Adão ao falar que não consegue dar uma vida melhor aos filhos.
- Se tivéssemos água, eu poderia cuidar de cavalos no estábulo. Ganharia algum dinheiro - acredita Adão, que é do interior do Estado, analfabeto, cardíaco e pouco conhece da Capital.
Promessas e mais promessas
Hoje, o ex-jóquei colhe macela nos campos da Restinga e vende os ramos a R$ 3, cada. Helena e o filho Alessandro, que continua sem emprego, voltaram aos estudos no turno da noite. Rodrigo se mudou para outro bairro da cidade. Rosa e Pedro seguem na escola. A alimentação da família ainda depende, praticamente, da ajuda de projetos sociais desenvolvidos no bairro e de doações de voluntários. As crianças se alimentam na escola. Os adultos, num projeto local.
Depois da publicação da primeira reportagem no Diário Gaúcho, uma rede de promessas envolvendo diferentes esferas públicas se formou. Porém, a falta de discernimento dos de César para caminharem com as próprias pernas, situação reconhecida extra-oficialmente por quem esteve com a família, e a burocracia dos órgãos públicos os impedem de deixar a faixa mais baixa do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), medido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.
Na quarta-feira passada, ao meio-dia, quando a reportagem do Diário Gaúcho esteve na casa da família, Adão, a mulher e os filhos só tinham um resto de sopa para comer.
Respostas sem solução
A reportagem do Diário Gaúcho buscou novas respostas junto aos órgãos que, há um ano, se comprometeram em auxiliar a família e também aos que estão diretamente ligados aos programas sociais desenvolvidos para quem vive em situação de extrema pobreza. Abaixo, as respostas:
Defensoria Pública da União
Extra-oficialmente, a informação é que a DPU acompanha até hoje a situação da família de Adão. No ano passado, a DPU fez duas solicitações ao Cras-Restinga, que acompanha a família, mas não foi atendida até hoje. A primeira era um relatório sobre a situação da família, que está em terreno irregular, para envio posterior ao Dmae solicitando a essencialidade de manter o abastecimento de água dos de César. Também foi solicitado ao Cras o envio dos números dos CPFs dos de César, já que estariam cadastrados no CadÚnico, para encaminhamento de marcação de perícia solicitando o benefício do Loas, no Inss, para cada um dos familiares.
Fasc
Com a diferença de um dia, o órgão encaminhou ao Diário Gaúcho duas respostas diferentes para o a situação da família. No dia 16, informaram que Adão foi cadastrado no Bolsa Família e que aguardava a concessão do benefício pelo Governo Federal, através do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Um dia depois, porém, quando questionada sobre solicitações da DPU, a Fasc admitiu que não conseguiu encontrar os registros de Adão em seu cadastro.
Ministério do Desenvolvimento Social
Por meio de e-mail, a assessoria de imprensa informou que "a família do senhor Adão Jesus César de César foi incluída no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (Cadastro Único), em dezembro de 2013. Contando com ele, a família é composta por seis pessoas. A inclusão no Cadastro Único não gera direito de concessão imediata de benefício do Programa Bolsa Família (PBF). Para a inclusão no programa, a seleção de famílias é realizada entre as que vivem em situação de pobreza e extrema pobreza, inscritas no Cadastro Único, em cada município, e com o cadastro atualizado."
Ufrgs
Motivados pela série do Diário, no ano passado, um grupo de 20 alunos dos cursos de Economia e de Psicologia da Ufrgs e professores da instituição e da Pucrs refez a pesquisa que há cinco anos estudou a pobreza em Porto Alegre. Os dados deverão ser divulgados em maio.
Dmae
Por meio da assessoria de imprensa do Dmae, o órgão informou que está impossibilitado de colocar a rede de água no local porque a área ainda é considerada uma invasão. Como o local não tem proprietário definido, o Dmae também não pode enviar o caminhão-pipa pois estaria incentivando outras invasões à área ainda desabitada que fica ao redor da casa da família de Adão.