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Famílias se preparam para deixar Ocupação Saraí antes de desapropriação de prédio na Capital

Depois do início da desapropriação do prédio, moradores terão que sair para futura reforma, mas já sonham com o dia da volta

21/07/2014 - 07h04min

Atualizada em: 21/07/2014 - 07h04min


Jeniffer Gularte
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Marcelo Oliveira / Agencia RBS

Uma vista privilegiada do Guaíba vem do quarto-sala do pedreiro Ricardo Luz de Souza, 36 anos, no sexto andar de um prédio que passou por quatro ocupações na última década e hoje serve de abrigo para famílias do Movimento Nacional de Luta pela Moradia, a ocupação Saraí.

Localizado na esquina da Rua Caldas Junior com a Avenida Mauá, no Centro da Capital, o imóvel foi declarado pelo Estado como bem de interesse social na semana retrasada, o que dá início ao processo de desapropriação. Quinze famílias ainda vivem no edifício desde a última invasão, em agosto do ano passado, mas todas terão que sair para a futura reforma do imóvel - o prazo para a mudança ainda não foi estipulado.

Entre elas, está a de Ricardo. Ele vive com a esposa, dois filhos e quatro enteados em uma peça com divisórias de tapumes. Há apenas uma cama para o casal, e os demais dormem em colchões espalhados no chão.

Mesmo com a infraestrutura limitada do lar, o pedreiro faz elogios ao lugar:

- Aqui é ótimo, pena que precisamos sair. Se fico triste, venho para a janela e melhoro.

Para o técnico em informática João Ribeiro, 41 anos, o edifício Saraí é um local seguro para viver com a esposa e os dois filhos. Tudo que a família tem está apertado em um espaço de poucos metros quadrados. Ali, adaptaram as janelas, colocaram varal de roupa e puxaram fios elétricos para a televisão, geladeira e notebook. Ele já começou a procurar uma casa para alugar, mas deixa claro que quer voltar quando a reforma do prédio for concluída.


O prédio está localizado na esquina da Rua Caldas Junior com a Avenida Mauá
Foto: Marcelo Oliveira/Agência RBS

O melhor lugar no qual Cristiane já morou

A família de Cristiane Beatriz Rosa dos Santos, 41 anos, mora no quinto andar e não desfruta da mesma vista, mas garante que se sente acolhida no lugar. Depois de sair de uma área irregular atrás do Shopping Iguatemi, a dona de casa diz de boca cheia que este é o melhor lugar que já morou.
 
- O importante é não ficar na rua - diz ela, que mora com cinco filhos e o companheiro, o desempregado Lauro da Paz Toledo, 54 anos.

Ela já está empacotando os pertences para deixar o prédio. De móveis, tem apenas um armário de cozinha, outro armário com portas quebradas no quarto, colchões e uma televisão pequena. Há piso bruto no chão, mas faixas de carpete protegem do frio.

Cristiane acredita que não será simples em alugar um imóvel para a família.

- Quando eu digo que tenho cinco filhos, começa a dificuldade - lamenta.

Organização e regras

A estética externa do prédio não passa uma boa impressão. Dentro, no entanto, as paredes inteiras revelam que o imóvel não tem problemas estruturais. Todo cenário interno lembra um prédio que foi construído para uso comercial, mas que ficou sem conservação ao longo dos anos. A escada em espiral é estreita e escura. Não há divisórias nos andares, a não ser as provisórias colocadas pelo próprios moradores. O forro está deteriorado e a maior parte das paredes, pichada.

A partir do terceiro pavimento, cada andar é ocupado por três ou quatro famílias. O segundo é um espaço coletivo com cozinha, dois banheiros com chuveiro, pias e privadas. Também há um espaço reservado para as crianças brincarem e para as reuniões do movimento.

O fornecimento de água e luz é irregular. A energia é precária, e a água só sobe até o segundo andar. Com isso, todos precisam descer até ele para lavar louça e tomar banho. Os moradores garantem que a higiene pessoal e as atividades domésticas de cada um não geram filas e tumultos.

As rotinas de cada família seguem horários distintos - explica a líder do Movimento Nacional de Luta pela Moradia em Porto Alegre, Ceniriani Vargas da Silva.

Segundo ela, as regras de convivência são claras: cigarros apenas no segundo andar, consumo de bebida alcoólica só nos finais de semana e também no segundo andar. Depois das 20h, os menores de 18 anos não podem mais sair.

Há uma única chave para todos utilizarem e fica sempre dentro do prédio. Os moradores se revezam como "porteiros" do imóvel para controlar a circulação de pessoas e evitar a entrada de estranhos.

Não há garantias

Todos os moradores do edifício Saraí serão encaminhados para o aluguel social pela Prefeitura de Porto Alegre. Mas a situação das famílias ainda é incerta. O secretário estadual de Habitação e Saneamento, Marcel Frison, explica que o decreto assinado pelo Estado é o primeiro passo para dar início ao trâmite da desapropriação do imóvel, que pode ser ágil ou levar anos para se consumar, dependendo de qual será o comportamento dos proprietários.

Ele ressalta que não há garantia de que as famílias que vivem no Saraí serão as que passarão a residir no prédio depois da reforma. Segundo ele, um dos critérios é priorizar as famílias mais necessitadas. Outro, ainda a ser avaliado, é dar preferência aquelas que têm filhos estudando em escolas próximas ao edifício.

- A ideia é juntar as necessidades das pessoas que estão sob responsabilidade do Estado e contemplar as soluções - avalia Marcel. 

Prédio já foi alvo do PCC
- O prédio foi construído há décadas com recursos do Banco Nacional de Habitação, para ser destinado à moradia social para abrigar entre 40 e 50 famílias.
- No entanto, acabou repassado à Caixa Econômica Federal e operou como prédio comercial até ser esvaziado, há mais de 20 anos.
- O imóvel passou por quatro ocupações na última década e atualmente abriga famílias do Movimento Nacional de Luta pela Moradia.
- Em setembro de 2006, chegou a ser utilizado pelo crime organizado do Primeiro Comando da Capital (PCC) para cavar um túnel na tentativa de assaltar o Banrisul e a Caixa Econômica Federal.
- Desde maio deste ano, uma mobilização em favor da ocupação social do prédio ganhou força nas redes sociais.


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