Saúde
Hospital-fantasma em Barra do Ribeiro
Inaugurado em 2000, prédio segue de portas fechadas por conta da burocracia. Solução para o impasse é prometida para dezembro
Enferrujada, a placa indicando a presença de um hospital às margens do Km 3 da ERS-709 em Barra do Ribeiro, a 60 quilômetros de Porto Alegre, sinaliza a atual situação do prédio de 3 mil metros quadrados. Prestes a completar 15 anos de inauguração, no próximo ano, o Hospital Regional Barra do Ribeiro, cujo nome está gravado nos sinalizadores das enfermarias, jamais foi utilizado.
Questões burocráticas emperram o espaço destinado a 64 leitos, com atendimento 100% via SUS, para atender 400 mil habitantes de 19 municípios.
Iniciada pelo Estado em 1986, a instituição só foi concluída em 2000. Neste período, prefeitura, União e até moradores da região contribuíram com dinheiro para ver o prédio funcionando. Apesar dos esforços, ninguém assume a responsabilidade pelo descaso e pelos valores destinados à construção. Estima-se gastos de R$ 6,5 milhões.
- Me sinto de mãos atadas porque a burocracia até hoje faz este prédio continuar sem uso. Passo o dia inteiro pensando que todo dia que passa é mais um dia sem o hospital da Barra - desabafa o atual prefeito da cidade, Luciano Boneberg (PSD).
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Corredores vazios
Alegando não ter verba suficiente para abrir o hospital com apenas recursos do município, o prefeito mantém um pronto-atendimento, com um clínico-geral 24 horas, funcionando na entrada do prédio.
- Por mês, precisaríamos de R$ 2 milhões para mantermos o hospital em pleno uso. Mas o orçamento mensal do município é de R$ 1,8 milhão. Dependemos de ajuda - justifica.
Ao lado da secretária municipal da Saúde, Márcia Nunes, a reportagem do Diário Gaúcho percorreu os corredores vazios do prédio, na semana passada. Logo na entrada, a única parte em uso, funciona o pronto-atendimento.
Mas quando se cruza uma porta onde um cartaz proíbe a entrada de estranhos é que se tem a noção do fantasma que assombra Barra do Ribeiro. A partir dali, apenas o silêncio impera por corredores e salas escuras.
Desde 1999, desfibriladores, carros de anestesia, eletrocardiógrafo, oxímetros, máquinas de ultrassom e balanças para crianças e adultos amontoam-se ainda encaixotados numa sala que deveria ser o laboratório de análises clínicas. Nas enfermarias, macas nunca usadas estão enferrujando. Berços e incubadoras acumulam poeira de anos. Nas salas de parto, de cirurgia e de raio-X os equipamentos esperam por pacientes que jamais chegaram.
- É um desperdício que não dá nem para calcular. A gente é cobrado na rua, mas não tem culpa por tantos erros do passado - desabafa a secretária.
A via-crúcis de Conceição
Enquanto o hospital segue como sonho dos 12,5 mil habitantes de Barra, a prefeitura gasta mensalmente R$ 30 mil em transporte com pacientes encaminhados para Porto Alegre (a 60 quilômetros de distância), Canoas (a 70 quilômetros de distância) e Rio Grande (distante 300 quilômetros). Entre os que enfrentam quilômetros de estradas em busca de atendimento médico está a dona de casa Conceição Rocha Külzer, 64 anos, que mora a 1 quilômetros do hospital-fantasma.
Todos os exames e consultas realizados por ela até hoje - como laboratoriais, radiografias, ecografias e mamografias - foram realizados em Porto Alegre, a 60 quilômetros de distância. Se o Regional já estivesse com os equipamentos funcionando - todos seguem embalados nas salas do prédio - os exames de Conceição poderiam ser realizados na cidade onde ela nasceu e vive até hoje. Ela teria percorrido apenas dois dos 120 quilômetros que precisa enfrentar cada vez que se desloca à Capital.
Há cerca de sete anos, o marido de Conceição passou por cirurgia no joelho, em Rio Grande, e ficou internado 15 dias sem ver a família.
- Não penso apenas na nossa situação, mas na de toda uma população que já perdeu as esperanças de ver este hospital funcionando. Nem consigo imaginar quantas pessoas poderiam ser atendidas sem precisar passar pelo que estou passando - finaliza Conceição.
Questão judicial
Desde o anúncio da parceria entre a prefeitura, o Estado e a Associação Portuguesa de Beneficência, em janeiro deste ano, o promotor Daniel Indrusiak, da Promotoria de Justiça de Barra do Ribeiro, exigiu respostas sobre o contrato a ser firmado. Alegando não ter recebido retorno das partes envolvidas, ainda no primeiro semestre, ele ingressou com uma ação civil pública exigindo a suspensão do contrato e, consequentemente, a anulação do mesmo. O caso segue na Justiça.
- É um contrato nebuloso e existem ilegalidades flagrantes, pois nele não ficam claras as responsabilidades de cada parte. O contrato não indica a contrapartida da Associação Portuguesa de Beneficência, o prazo de 20 anos de cessão é longo demais, não houve estudo de viabilidade de concessão e não foi feito processo público para saber se existiam outros interessados em assumir a instituição - justifica o promotor.
O prefeito Luciano Boneberg rebate as acusações do promotor dizendo que todas as questões levantadas estão contempladas no contrato e no projeto de reforma do prédio.
- Ele não fez questão de conhecer o projeto de abertura do hospital, não vive na cidade e não sabe o que se passa aqui. Quem não iria querer um hospital aberto numa região que carece de leitos? - rebate o prefeito.
Será que, agora, vai?
Desde o início deste ano, Luciano aguarda a assinatura da Secretaria Estadual de Saúde que libera à Associação Portuguesa de Beneficência a cessão e reforma de uso das estruturas já existentes, com verba do Estado para as reformas, e a contratualização dos serviços pelo Sus, com financiamento dos governos estadual e federal.
Na próxima semana, em data ainda a ser definida, Estado e Associação se reunirão para definir valores a serem repassados. A intenção, segundo a secretária estadual de Saúde, Sandra Fagundes, é liberar os trabalhos da Associação ainda na primeira quinzena de dezembro.
A importância do hospital para a região
* Pelo menos 400 mil habitantes de 19 municípios da região Carbonífera e da Costa Doce - Arambaré, Arroio dos Ratos, Barão do Triunfo, Barra do Ribeiro, Butiá, Camaquã, Cerro Grande do Sul, Charqueadas, Chuvisca, Dom Feliciano, Eldorado do Sul, General Câmara, Guaíba, Mariana Pimentel, Minas do Leão, São Jerônimo, Sentinela do Sul, Sertão Santana e Tapes - seriam atendidos no local.
* Segundo o Ministério da Saúde, há um déficit de 469 leitos na região.
* Inicialmente, o hospital terá pronto-atendimento, ambulatório, laboratório de análises clínicas, raio-X, mamógrafo, ecógrafo, eletrocardiógrafo e todas as instalações de apoio.
* Capacidade para realização de 350 internações mensais.
* Poderá atender 2.880 pacientes por mês.
* Abrirá 200 vagas para profissionais do setor da Saúde.
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