Opinião
Antônio Carlos Macedo: Infelizmente, a Páscoa se tornou uma data comercial
Colunista do Diário Gaúcho relembra como era nos seus tempos de guri
Nos anos 60, nos meus tempos de guri em Esteio, Sexta-Feira Santa era um momento especial. As pessoas se comportavam como se tivessem perdido um parente ou amigo. Era um momento de luto e resguardo. Pouca gente saía de casa. As ruas permaneciam vazias. O silêncio, absoluto. Não se falava alto. Ninguém dava risadas. As rádios passavam o dia tocando música clássica triste. As TVs Gaúcha e Piratini não chegavam a mudar a programação, mas filmes bíblicos, como Barrabás e O Manto Sagrado, eram obrigatórios na grade de programação. Dos dois cinemas da cidade, só o Imperial funcionava. Todos os anos, com o mesmo filme: Paixão de Cristo.
O hábito de comer peixe e beber já era comum, mas muita gente optava pelo jejum. Comer carne era algo impensável, pecado grave que ninguém ousava cometer. A criançada era liberada para brincar, mas com mil e uma recomendações para evitar gritos, correrias e puxões. Proibição que, muitas vezes, incluía jogar bola no campinho. Tudo era muito contido e cerimonioso. Não apenas por respeito. Por medo também: para muitos, a devoção pesava menos que o medo do castigo divino.
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Data comercial
Temores à parte, todos os comportamentos se guiavam pelo caráter espiritual e religioso da celebração. Havia muito mais reflexão sobre seu significado. Mesmo as análises mais simplistas e ingênuas sobre o martírio de Jesus remetiam para valores como o perdão, a misericórdia, o amor ao próximo e a salvação. No mínimo, serviam para impor respeito e frear as atitudes negativas.
Hoje, infelizmente, não é assim. Para a maioria das pessoas, a Páscoa virou uma data meramente comercial. É o momento de comer peixe e comprar chocolate. O consumo expulsou a religiosidade. O quadro mudou muito. E para pior. Não é tudo, mas ajuda a explicar o mundo embrutecido que nos cerca.