Violência na saúde
Funcionários do Samu relatam agressões verbais todos os dias
Socorristas precisam contar com ajuda da Brigada Militar para atender a casos onde há risco de agressão. Violência respinga nos profissionais que fazem os primeiros socorros da população
Cada chamado tem sido um momento de tensão para os funcionários do Samu de Porto Alegre. Antes de todo atendimento, os profissionais precisam avaliar se há algum risco e, mesmo assim, contar com a sorte para que os solicitantes não estejam exaltados. A violência das ruas atinge diretamente os trabalhadores da saúde que estão na linha de frente e fazem o primeiro contato com os pacientes.
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De acordo com os profissionais ouvidos pelo Diário Gaúcho, todos os dias os funcionários do Samu precisam lidar com a violência verbal, como xingamentos e ameaças, além de tentar escapar de agressões. O técnico em enfermagem do Samu José Carlos Rodrigues Nessy, 31 anos, trabalha há dez anos no serviço.
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Ele já perdeu as contas de quantas vezes teve que lidar com situações delicadas. O último caso foi no início desta semana, quando receberam solicitação de atendimento na Ilha da Pintada. Um homem havia sido atacado por um cachorro, porém, ao chegar no local, o ferido se recusava a receber atendimento.
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- Mesmo machucado, ele tentou nos agredir. Tivemos a sorte de ter um carro da polícia no entorno que nos ajudou a amarrar o paciente na maca para ser levado ao Hospital de Pronto Socorro - conta.
No limite
Segundo o técnico, há inúmeros casos de risco com os quais os funcionários do órgão precisam lidar diariamente, desde descontrole de um familiar que aguarda atendimento com a vítima, até a população que não aceita que um bandido receba atenção médica.
Segundo José, um dos motivos do comportamento agressivo das pessoas é a defasagem dos serviços públicos, já que "aumenta a população, mas os serviços não acompanham a demanda". Outro, seria a demora do atendimento.
- Nós, que estamos sempre nas ruas, sentimos direto essa violência que, de certa forma, se justifica porque a sociedade está no limite do estresse, mas é inaceitável. As pessoas estão cada vez mais impacientes. Temos problemas graves de trânsito que reflete nos minutos em que a vítima precisa aguardar - fala o técnico.
Fora de controle
Um dos casos mais graves enfrentados pelo Samu nos últimos tempos foi um apedrejamento de uma viatura pela população na Lomba do Pinheiro, em abril do ano passado. Depois de constatado óbito de uma idosa pelos funcionários, a comunidade começou a jogar pedras nas viaturas.
Conforme o técnico em enfermagem, o trabalho do órgão é uma operação de risco, pois, além de andar em alta velocidade no trânsito, atendem casos dentro de zonas do tráfico de drogas e enfrentam tumultos e brigas de rua.
- Quando percebemos que pode haver algum risco, acionamos a Brigada Militar. Às vezes eles chegam antes de nós, outras, não, e somos obrigados a arriscar - revela.
Os funcionários do Samu não recebem adicional de periculosidade, valor ao empregado exposto a atividades perigosas.
- Eu escolhi trabalhar no Samu porque eu quero salvar pessoas. Nós, funcionários da saúde, não enxergamos cor, classe, idade ou tamanho dos pacientes. Nós enxergamos o ser humano, independente do que a pessoa é ou fez. Queremos que as pessoas entendam o trabalho do Samu e nos respeitem - fala José.
Brigada dá o apoio
De acordo com a coordenadora do Samu, Fabiane Tiskievicz, alguns cuidados têm sido tomados no momento dos atendimentos. Em casos que atentam a vida do profissional, a Brigada Militar é acionada e a abordagem é feita apenas se os policiais já estão no entorno.
- Quando há feridos por arma branca, arma de fogo, ou quando o agressor ainda está na cena, buscamos essa ajuda para reforçar a segurança dos profissionais e do paciente -explica.
Segundo Fabiane, no curso de atendimento pré-hospitalar, feito para todos os funcionários do Samu, as equipes se preparam para lidar com a população.
- Todos recebem instruções sobre o que fazer e como agir em cada cena. Todas as situações são analisadas previamente, priorizando a segurança de todos. Entretanto, muitas vezes a violência nos pega de surpresa.
Além de registrar por escrito e gravar as ocorrências, para lidar com a violência verbal, o Samu tem um programa junto ao Núcleo de Educação Permanente, com rodas de conversas entre funcionários e psicólogos onde são trazidas as questões de agressões e ameaças.
Números
- Em agosto, o Samu atendeu a 3.243 chamados, sendo 90 por agressão, 24 por ferimentos por arma branca e 68 por ferimentos por arma de fogo.
- Em Porto Alegre, existem 283 funcionários do Samu, sendo 68 técnicos em enfermagem, 80 motoristas, 54 médicos e 30 enfermeiros.
- Ao todo, são 16 equipes para atender: três equipes avançadas, que contam com médicos, enfermeiro e condutor, e 13 equipes básicas, sem médicos.