Tradição
Rodeio de Porto Alegre traz o campo à metrópole
Evento teve ginete da metrópole e atraiu interioranos nostálgicos às arquibancadas montadas no Parque Maurício Sirotsky Sobrinho


Thiago Freitas, o improvável ginete do Bom Fim, conseguiu acertar o boi em três rodadas consecutivas. No tiro de laço, o regulamento lembra o do mata-mata no futebol: quem tem sucesso segue vivo, quem erra está eliminado. O triplo êxito colocou Thiago e seu parceiro na final da prova, no 15º Rodeio de Porto Alegre.
No começo da tarde deste domingo, montado na égua Alcione, ele aguardava em meio a dezenas de cavaleiros a sua hora de galopar pela pista enlameada, diante da arquibancada cheia.
– Tiro de laço é muito difícil, porque além de dominar a equitação, o cavalo deve estar bem, e o boi precisa correr certo – explicou.
Quando a porteira se abriu diante dele, Thiago avançou com Alcione e preparou o laço, mas logo se viu em dificuldades. A vaca ziguezagueava, atraindo o cavaleiro para a cerca. Ele retardava o arremesso, esperando o momento adequado, mas as condições favoráveis não surgiam. Quando o final dos 120 metros de pista se aproximavam, teve de arriscar. Errou.
– A vaca me logrou – definiu.
A particularidade de Thiago é ele ser um indivíduo 100% urbano dedicado à prática de uma modalidade com DNA campeiro. Criado no Bom Fim, na região central de Porto Alegre, não tinha motivo nenhum para se interessar por cavalos. Mas as visitas ao avô, que trabalhava como peão em Arambaré, atiçaram o gosto. Enquanto o irmão desenvolvia uma queda por motocicletas, ele insistia com o pai para ganhar um cavalo. Realizou o sonho aos 15 anos. Ulisses, seu primeiro animal, era mantido em Belém Novo, nos confins da cidade.
Assim que foi possível, Thiago comprou uma casa no bairro com jeito de Interior, dotada de um terreno enorme, apenas para poder criar cavalos no quintal e estar perto deles. Hoje, se desvela em cuidados com Alcione, Atrevido e Badalo. Thiago ajuda a explicar por que Porto Alegre, uma metrópole de 1,4 milhão de habitantes, realiza há 15 anos um rodeio à beira do Centro, no Parque Maurício Sirotsky Sobrinho. De acordo com o ginete, que nas horas de trabalho é empresário do ramo da comunicação visual, há pelos menos 5 mil cavalos espalhados por hotelarias de bairros da zona sul da cidade, bem como uma ampla variedade de centros de treinamento.
Foi em um desses espaços, no Lami, que Thiago resolveu levar sua paixão a um novo patamar, quatro anos atrás: laçar. A estreia, depois de seis meses de treino, foi justamente no Rodeio de Porto Alegre, que ele frequentava desde a primeiro edição, a princípio apenas para olhar. Nos primórdios, diz ele, o evento era muito diferente:
– Não era tão comercial. Antes, o pessoal vinha pela amizade, pela diversão. O povo de Porto Alegre é carente desse tipo de atividade, e a única chance de ver uma coisa campeira é vir aqui ao parque.
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Depois de encerrar sua atuação no rodeio, Thiago podia ser visto com uma mangueira em mãos, lavando Alcione meticulosamente, junto ao seu acampamento. O barro tinha de ser removido logo, explicava, para não causar assaduras no animal. Também por esse motivo, a égua tinha a cauda caprichosamente trançada – para impedir o acúmulo de lama.
Terminado o banho, era hora de levantar acampamento. Apesar de morar na cidade, Thiago passara os quatro dias do evento dentro do parque, para não se afastar da égua. Não foi uma decisão isenta de transtornos: além de ter de se acostumar com a rotina de viver no meio do lamaçal, viu a tenda se desmanchar uma noite, por causa do temporal. A lona soltou-se, e as estacas foram parar no meio da avenida.
No parque, o ginete da metrópole teve oportunidade de conviver com experimentados cavaleiros do Interior, gente acostumada a percorrer o Estado para competir em rodeios, como Rafaela de Souza, 14 anos, de Arroio dos Ratos, que aprendeu a montar com o pai e já ganhou troféus em Charqueadas, Butiá e São Lourenço. Outro forasteiro era Tomaz Silveira, 17 anos, de Santana do Livramento, eliminado nas finais.
– Caímos fora, mas foi lindo – descreveu.
Muitos dos presentes no parque e nas arquibancadas eram amigos e familiares dos 2 mil competidores inscritos, mas também havia curiosos, como o representante comercial Ailton Albuquerque, 44 anos, que estava passeando com a mulher, a filha e os sobrinhos nos arredores do Gasômetro e resolveu conferir o evento. Outros eram nostálgicos interioranos transplantados para a Capital que, impedidos de voltar ao campo, aproveitavam a vinda do campo à cidade. O empresário Fabio Paschoal, 58 anos, criou-se em uma estância, em meio ao gado, em Encruzilhada do Sul, onde participava de provas de cancha reta. Quarenta anos atrás, transferiu-se para Porto Alegre, para trabalhar. No rodeio, recuperava um gostinho da meninice:
– Eu venho ao rodeio para recordar, para matar a saudade do que deixei para trás, quando vim em busca de um sonho.