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Situação de rua

Novo prédio do Albergue Municipal de Porto Alegre abre nesta quarta com espaço para animais de estimação

Perfil dos frequentadores é diferente do de quando foi inaugurado, há 15 anos

29/06/2016 - 08h07min

Atualizada em: 29/06/2016 - 08h27min


Aline Custódio
Aline Custódio
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Portas do novo prédio do Albergue Municipal de Porto Alegre serão abertas às 19h desta quarta-feira

Quando abrir as portas nesta quarta-feira, a partir das 19h, o novo prédio do Albergue Municipal de Porto Alegre receberá um perfil diferente daquele de quando foi inaugurado há 15 anos. Jovens desempregados ou que tiveram rompimento com a família por causa das drogas estão se tornando mais comuns dentro do espaço que oferece 150 vagas durante o inverno.

A constatação é dos próprios funcionários do albergue, que estão no local desde o início, como o atual coordenador, Franke Rodrigues, que, desde 2013, passou a fazer um levantamento mensal da quantidade de frequentadores. Em maio deste ano, por exemplo, ocorrem 3.752 acessos ao albergue. Destes, 89% foram homens, 10% mulheres, 3% deficientes físicos e 1% de transexuais. Hoje, não há uma pesquisa oficial que identifique o perfil dos usuários do albergue. A Ufrgs, em parceria com a prefeitura, está fazendo um novo levantamento sobre o perfil da população de rua da Capital e que deve ser concluído até o final deste ano.

– Até cinco anos atrás, atendíamos pessoas com mais de 50 e que estavam há muito anos nas ruas, sem vínculo com a sociedade. Mas isso vem mudando, mas não sabemos explicar se há algum relacionamento com a crise econômica ou com os conflitos sociais. A maior parte dos que hoje nos procuram perderam o emprego recentemente e não conseguiram pagar o aluguel da casa ou tiveram rompimento com a família – aponta Franke.

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É o caso do segurança desempregado Leonardo Vaz e a mulher dele, Vandeli Lúcia Lopes, ambos de 21 anos, que há quatro meses encontraram um lar no serviço gratuito da prefeitura. Quando ingressam no prédio, por volta das 19h, os dois costumam sorrir de mãos dadas enquanto aguardam a hora do banho e do jantar. Por minutos, esquecem a realidade enfrentada.

– De dia, saímos para procurar emprego. Perdi uma oportunidade porque não tinha dinheiro para fazer uma 3x4 (foto). Não desisto, pois queremos sair desta situação – conta Leonardo, que na semana passada descobriu que será pai pela primeira vez.

Leonardo descobriu, há uma semana, que sua esposa, Vandeli, está grávida

Sem contato há quase dois anos com os familiares – moradores de General Câmara – Leonardo vive nas ruas com a companheira. Juntos há um ano, os dois se conheceram quando ele ainda trabalhava como segurança numa casa noturna. Depois que perdeu o emprego, o jovem não teve mais condições de pagar o aluguel. A situação piorou depois que perdeu os documentos. Eles acabaram encontrando no albergue a cama quente, a comida e o banho.

Assistente social do albergue há 14 anos, Vera Gomes também ressalta a procura do serviço pelos jovens usuários de crack que temem agressões enquanto dormem ao relento. Além destes, Vera dá uma definição aos que frequentam o local:

– São o sobrante do sobrante da sociedade, pois a maior parte tem escolaridade baixa, não domina a leitura e a escrita ou tem problemas com drogas. Mas eles querem ser apenas vistos como seres humanos.

Dependente química durante quatro anos, Lia Prado, 26 anos, é uma das que acabaram na rua por conta das drogas. Há dois meses, decidiu que era hora de mudar de vida e ficou "limpa". A meta dela, que está voltando a falar com a família, é retomar o tratamento para mudar de sexo. Numa mala, Lia carrega a vida inteira. Ela está na rua desde novembro do ano passado, quando se separou do marido depois de ser atingida por três tiros ao tentar defendê-lo numa briga. Ao deixar o hospital, ficou sozinha e sem tem para onde ir. Durante o dia, frequenta o centro da prefeitura que atende pessoas em situação de rua. À noite, fica no albergue.

– Meu desejo é me manter limpa. No albergue encontro atenção e respeito. Aqui é o meu ponto de partida para uma nova vida – acredita.

Lia Prado acabou nas ruas por causa das drogas

Sinal preocupante

Para o professor de Economia na Ufrgs e especialista em Economia da Pobreza, Flávio Comin, os albergues representam o último lastro humanitário de qualquer sociedade, depois que políticas econômicas e sociais de inclusão fracassaram.

Há dois anos, Flávio e alunos da disciplina de Economia da Pobreza iniciaram uma pesquisa nos albergues da cidade. Entre os problemas constatados, o grupo indicou que os albergados enfrentam o desemprego, a desigualdade, a pobreza, um sistema educacional público falido, a discriminação sexual, as famílias destroçadas, o preconceito e a violência cotidiana.

– As consequências disso são a reprodução da incivilidade no nosso tecido social. O fato do número de albergados jovens ter aumentado é um sinal preocupante do fracasso de outras políticas públicas. Ou pior, aumento de jovens sem alternativa nenhuma na sociedade para sobreviver.

Atenção à rua

/// Porto Alegre tem 13 equipes, divididas nas nove regiões da cidade.
/// O Centro tem cinco equipes.
/// Todas as equipes ficam nos Centros de Referência Especializados em Assistência Social.
/// Para solicitar abordagem social das pessoas em situação de rua, estão disponíveis dois telefones: (51) 3289-4994 (para contatos durante o dia) e 3346-3238 (noite).
/// Vagas por albergue:
- Albergue Municipal, Rua Comendador Azevedo, 215, Bairro Floresta - oferece 120 vagas e mais 30 vagas na Operação Inverno
- Albergue Monsenhor Felipe Diel, na Praça Navegantes, 41, Bairro Navegantes - oferece 145 vagas e mais 60 vagas na Operação Inverno
- Albergue Dias da Cruz, na Avenida Azenha, 366, Bairro Azenha - oferece 90 vagas

A partir desta quarta-feira, haverá espaço para cachorro no novo prédio do Albergue Municipal de Porto Alegre

Como funciona

/// A partir de hoje, o serviço passará para o outro lado da Rua Comendador Azevedo, no Bairro Floresta, e continuará oferecendo a mesma quantidade de vagas para pessoas em situação de rua - a diferença é que terá espaço para os animais de estimação de quem procura o local.
/// Funciona das 19h às 7h.
/// Durante o inverno, são oferecidas 150 vagas diárias.
/// São 120 vagas nos demais meses do ano.
/// O acesso se encerra com a lotação das vagas.
/// Idosos, mulheres e transexuais têm preferência no acesso.
/// Em maio deste ano, 462 pessoas diferentes ingressaram no albergue municipal.
/// No total, o albergue tem mais de 3 mil cadastrados como frequentadores.
/// Durante a maior parte do ano, são ofertadas 355 vagas na rede de albergagem. A rede é composta por três unidades, sendo duas da rede conveniada e uma da rede própria. Entre 1 de junho e 30 de setembro, na Operação Inverno, são disponibilizadas mais 90 vagas, totalizando 445 vagas.

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