Direto da Redação
Felipe Bortolanza: a cena de horror que não foi publicada
Editor do Diário Gaúcho fala sobre foto que mostra o pânico estampado no rosto da filha de um homem detido pela polícia
Nesta onda avassaladora de medo e tensão que a criminalidade vem espalhando de Norte a Sul do país, parece que nada mais poderá nos assombrar. Pois ontem, confesso que uma cena de horror marcou o meu dia de trabalho.
Como faço todos os dias, pensando em compor a capa do Diário Gaúcho, abri o sistema no qual ficam todas as fotos do dia. E uma delas, sobre uma operação policial na Capital, me entristeceu profundamente. A ponto de eu escrever esta crônica sobre uma imagem que eu não tenho como publicar no jornal.
Vou descrevê-la e vocês entenderão o porquê.
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O flagra feito pelo fotógrafo Ronaldo Bernardi mostra dois policiais munidos com imponentes fuzis, saindo de uma casa, conduzindo um jovem algemado, que minutos antes havia sido tirado da cama pelos agentes. Até aí, tudo corriqueiro.
O impacto acontece, e o mesmo ocorreu com uma dezena de pessoas que viram a foto, quando a gente percebe uma mulher e uma criança metros atrás do detido. A menina, aparentando cerca de dez anos, tem os olhos arregalados. Ainda que as duas mãos cubram o restante do rosto, o pânico transborda em seu olhar. Em tempo: o trabalho da polícia foi feito de forma correta e a foto não é publicada porque é preciso preservar imagens de crianças e adolescentes em situações como esta.
Me resta torcer
Naquele olhar horrorizado, seguramente há o somatório do susto de ter a casa invadida por policiais fortemente armados, a tristeza de ver um familiar sendo levado para a cadeia e o medo de algum tiroteio. Contudo, tem um componente deste olhar que me comove: o que passa na cabeça de uma criança que vê o pai ou o irmão ser preso dentro de casa? Até aquele momento, a menina poderia nutrir por aquele homem sentimentos nobres e sanguíneos, alguém que sempre a tratou com carinho e passava a imagem de ser bom exemplo de cidadão.
Não tenho como saber o que se passa no coração daquela menina. Me resta torcer para que a cena de horror que ela viveu ontem não tenha desconstruído nela a imagem de um bom pai ou de um familiar que ela tinha como mocinho e que tenha virado bandido ao amanhecer. Nenhuma infância merece ter um capítulo trágico assim. Ainda que o preso consiga provar o contrário, a imagem poderá torturar a mente daquela criança para sempre.