Verão em Porto Alegre
Lami tem mercado curioso no verão
A diversidade de produtos oferecidos no Lami durante o verão é uma das particularidades da praia da Capital
É no verão, quando lotam as areias da praia do Lami, no Extremo-Sul de Porto Alegre, que os moradores da região recheiam o bolso alugando ou vendendo produtos uteis – e também curiosos – para quem busca as sombras e a água fresca daquele trecho do Guaíba. Com preços acessíveis, os comerciantes da temporada, assim como trabalham as formigas, ainda garantem o sustento durante o inverno.
Um dos mais antigos a trabalhar na região neste período do ano é Luis do Milho, 52 anos, há 30 anos vendendo o produto no mesmo ponto do Lami. Até ele custa a lembrar do próprio nome completo, Luis Carlos Jorge dos Passos, tamanha a identificação com a função exercida entre janeiro e fevereiro – quando entra em férias na prefeitura de Porto Alegre e se torna vendedor de milho e de geladinho. Para garantir um reforço no salário até agosto, Luis ainda aluga uma casa próxima à areia.
– Se não me viro no verão, passo o inverno comendo lambari assado – justifica, às gargalhadas.
De março a dezembro, ele não tira folga no trabalho para ter os dias livres durante todo o verão. Nos primeiros anos da atividade extra, Luis chegava a vender 400 pacotes de milho num domingo. Hoje, não passa de uma centena de pacotes no final de semana - e com uma particularidade:
– Nós últimos dois anos, as pessoas começaram a pedir para dividir o mesmo milho. Acho que a crise alcançou a beira da praia.
Nesta temporada, cada milho sai por R$ 3. Com a divisão de uma única peça para até três pessoas, porém, Luis encontrou no geladinho – picolé de suco de frutas dentro de um saco plástico – outra alternativa de renda: dois custam R$ 1. Atento aos negócios, ele ainda vende garrafas de gelo que, dependendo do tamanho da PET, variam entre R$ 2 e R$ 3. Num único final de semana, o funcionário público vende até 50 garrafas. Com o ponto na frente de casa, Luis também aproveita o tempo para oferecer aos veranistas o segundo imóvel do terreno dele, por uma diária de R$ 100.
– A gente se vira e tira do verão tudo o que ele pode oferecer. Depois que passa a temporada, fico uns cinco dias em Cidreira (no Litoral Norte) e aproveito as minhas férias – ensina.
Banheiro
As placas oferecendo produtos, também usadas por Luis do Milho, são comuns no Lami. Basta percorrer as 15 ruas, avenidas e estrada mais próximas da praia para encontrá-las penduradas nas paredes, nos portões, postes ou em cavaletes. Estacionamento fechado, com espaço para 25 veículos, custa R$ 10 o dia. Aluguel de peças e imóveis para veraneio são encontrados com diária a partir de R$ 40. Sacolé sai por R$ 0,70.
E para quem está apertado, há banheiro por R$ 1 no bar de Eva Maria da Rocha, 64 anos. O valor é cobrado dos clientes que não consomem os produtos do estabelecimento. Eva garante que nos finais de semana o movimento não para. Serviços gerais aposentada, Eva alugou o espaço há nove meses, já pensando no verão. No pequeno comércio à beira da praia, onde ela vende também papel higiênico e papel toalha para quem fica nos campings, Eva encontrou mais lucro na venda de gelo feito em garrafas PET. No primeiro final de semana deste ano, a comerciante vendeu as 30 garrafas de dois litros que havia preparado. Para o próximo, ela pretende pelo menos dobrar a produção.
– Cobro R$ 2 por garrafa. A meta agora será encher dois freezers com gelo porque a procura será grande, se estiver calor – calcula.
Churrasqueira na geladeira
O calor também se tornou o melhor aliado do comerciante Valdemar Rodrigues de Oliveira, 80 anos, que há 13 anos revolucionou as vendas no Lami quando passou a reciclar carcaças de geladeira. A cada temporada, ele compra um lote nos ferros-velhos da região e as aluga para serem utilizadas como churrasqueiras. Neste ano, cada peça foi adquirida por R$ 10 e está sendo alugada por R$ 15, o dia, e R$ 30, por cinco dias, e o cliente ainda leva cinco espetos. Mesa e cadeiras também podem ser alugadas por R$ 15.
– Procuro sempre as que estão em melhores condições para durarem os dois meses de temporada. Neste ano, comprei 15, mas acho que precisarei de outras – conta, faceiro.
De tão criativo, o comerciante acabou sendo apelidado de Valdemar das Carcaças. Nas ruas, basta perguntar por ele que todos indicam o endereço do negócio. Sempre com um sorriso no rosto, Valdemar apresenta o mostruário, exposto na frente do bar da família.
– A maioria das famílias aluga em grupos para sair mais barato. O que importa é que o cliente sempre terá a preferência – finaliza Valdemar.