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Carlos Etchichury: "Administrar a relação das crianças com smartphones tornou-se um inferno"

Editor-chefe do Diário Gaúcho fala sobre fascínio dos pequenos pelas telas reluzentes dos celulares

27/03/2017 - 19h48min

Atualizada em: 27/03/2017 - 19h49min


Carlos Etchichury
Carlos Etchichury
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O interfone toca. Do outro lado da linha, o porteiro avisa:

– Chegou o Uber.

Na sala do apartamento, o casal se olha.

– Tu pediu Uber? – questiona a mulher.

– Não! – responde o homem, imaginando se tratar de um engano.

Na portaria do condomínio, conversando com o motorista do Uber Black estacionado na calçada, a mulher compreende o mal-entendido. O filho do casal, um menino de seis anos, que tem o hábito de usar o smartphone dos pais, havia feito o pedido pelo aplicativo sem querer. A história, que aconteceu com uma conhecida da minha mulher, é curiosa, mas não me surpreende.

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As crianças tornaram-se aficionadas pelas telas reluzentes dos celulares. Administrar a relação delas com os smartphones tornou-se um inferno contemporâneo. Quem tem filho sabe o que estou falando.

A primeira coisa que o meu filho de sete anos tenta fazer, ao acordar, antes mesmo do café da manhã, é pegar o meu celular. Santiago baixa aplicativos, joga Minecraft, manda mensagens para colegas. Fala do youtuber Resende como se fosse um amigo do colégio. É fã de carteirinha do AuthenticGames. Só que enquanto manuseia o equipamento, ele não interage – nem conosco, nem com os amigos, nem com Alícia, a sua irmã de um ano.

A situação se tornou insustentável. É angustiante perceber que amigos do Santi, na mesma faixa etária, padecem do mesmo fascínio, e apresentam os mesmos "sintomas". Para evitar que o nosso filho se transforme em um zumbi, travamos pequenas batalhas, nos indispomos. É uma disputa diária. Limitamos o uso do celular, tablet e computador. Eletrônicos dentro de casa só nos finais de semana.

Como eu não tenho o coração gelado de um ministro da Fazenda, faço concessões diante das contestações diárias – Santiago é um hábil negociador. Uma delas é tolerar o uso dentro do carro durante deslocamentos. É ruim, faço a contragosto, mas é o acerto possível.

A luta contra o excesso de tecnologia ao alcance das nossas crianças é, de certa forma, uma luta pela educação, sobretudo, dos pais. A mudança de comportamento começa conosco, com mais interação real e menos digital.

Nada contra a tecnologia, que está aí para facilitar. Mas na fase mais rica da infância, prefiro que ele exercite a criatividade lendo livros e gaste o tempo brincando com amigos, jogando bola, correndo, caindo, levantando, se machucando. Ele terá tempo para a tecnologia. Na hora certa.



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