Notícias



Opinião

Carlos Etchichury: polícia à moda antiga

12/03/2017 - 16h56min

Atualizada em: 12/03/2017 - 17h08min


Carlos Etchichury
Carlos Etchichury
Enviar E-mail

O delegado Omar Abud e o comissário Luiz Armindo de Mello Gonçalves, denunciados na última quarta-feira pelo Ministério Público pelos crimes de financiamento de organização criminosa e lavagem de dinheiro, terão oportunidade de se defender na Justiça e de provar que são inocentes, mas os indícios contra eles são contundentes.

De acordo com a reportagem de Humberto Trezzi e Eduardo Torres, que obtiveram com exclusividade a íntegra da denúncia, a dupla emprestava dinheiro para bandidos, realizava pesquisas no site Consultas Integradas para uma quadrilha (franquiando para o crime dados sigilosos da Segurança Pública) e atuava em conluio com um grupo especializado no roubo de cargas.

Uma frase pinçada no corpo da denúncia pelos excelentes jornalistas, porém, me deixou curioso. Segundo os promotores, ao saber que um colega policial havia chegado próximo de seus subordinados durante uma investigação, Abud teria dito para o companheiro de corporação se afastar dos "meus guris". Em seguida, avisou que era um "delegado antigo" e, portanto, "agia à moda antiga". Antes de se despedir do policial, Abud teria perguntado sobre a família do servidor da Polícia Civil.

Leia outras colunas de Carlos Etchichury

Delegado "à moda antiga". O que significa, exatamente, essa definição? Com mais de 200 anos, a instituição Polícia Civil tem grandes serviços prestados ao país. São incontáveis os casos resolvidos, os bandidos presos, as quadrilhas desarticuladas. Mas, como todas as instituições, a Polícia Civil vem se renovando, sobretudo após o fim da ditadura militar e a Constituição de 1988. Práticas como o ingresso em casas de suspeitos sem mandado judicial, comuns até o início dos anos 1980, foram sepultadas. Hoje, quando ocorrem, são ilegais. Aos poucos, a dependência de informantes para o êxito de operações foi cedendo espaço para interceptações telefônicas. A truculência é substituída pela técnica e pela perícia na obtenção de provas – a violência não desapareceu, mas ela vem sendo reduzida com o ingresso de delegados e agentes cada vez mais bem formados e devido ao fortalecimento dos órgãos de fiscalização. Corregedorias se tornaram ainda mais duras e profissionais, embora casos de associações com o crime, como Abud é suspeito, sempre tenham sido exceção na corporação.

Delegado de quarta classe (o mais alto nível da carreira), com quase 30 anos de serviços prestados, Abud talvez não tenha percebido a mudança. Uma transformação que não é só na polícia, é no Brasil. A sociedade não tolera mais malfeitos. Veja a Lava-Jato, que segue prestigiada. Ninguém ousa colocar areia naquela engrenagem. E delegados da PF, procuradores da República e juízes de primeira instância seguem contrariando interesses de caciques e colocando na cadeia figuras praticamente imunes ao Código Penal: empresários bilionários, ex-ministros, deputados, senadores, ex-presidente da Câmara.



MAIS SOBRE

Últimas Notícias