Papo reto
Manoel Soares fala sobre a mãe, que foi vítima de violência doméstica
"Me protegeu da bestialidade de uma era em que homens quebravam ossos de mulheres e filhos, sem que a Justiça tomasse providência"
Eu era uma criança bocuda. Um dia, no almoço fiquei enchendo o saco, querendo comer todo peixe que havia na mesa. Meu pai, capoeirista profissional, decidiu que eu iria comer até as espinhas do peixe para deixar de ser pidão. Minha mãe, depois de tentar diálogo sem sucesso, teve que sair no braço com ele.
Apesar de ser pequeno na época, me lembro do combate, que, para mim, foi épico. Ela rugia como uma matriarca felina e ele, com seus quase 2m, investia golpes e socos. Ela, mesmo sendo 30% mais fraca, resistia e me blindava.
Depois do episódio do peixe, meu pai passou a bater muito mais em minha mãe, mas passou a pensar duas vezes em bater em nós. Acho que porque entendeu que poderia acordar um lado de minha mãe que ele, mesmo com toda a sua força, não seria capaz de segurar.
Quando digo que minha mãe é minha fortaleza, é porque de fato ela foi e é. Me protegeu da bestialidade de uma era em que homens quebravam ossos de mulheres e filhos, sem que a Justiça tomasse providência.
Sei que ainda hoje muitas mães defendem seus filhos como leoas. Elas sangram e choram todos os dias, mas não cedem, não desistem, ficam firmes. Quando a lei e a Justiça falham, só restam as mães.