Coluna da Maga
Magali Moraes e as pessoas invisíveis nas ruas
"Tem umas que se pintam dentro do carro pra não olhar pra mim". O sinal abriu, eu sorri como quem diz "não liga pra elas" e segui em frente. A frase ficou rodopiando na minha cabeça. Essa conversa aconteceu com um vovozinho que pede dinheiro numa esquina movimentada de Porto Alegre. Como explicar pra ele que as mulheres se maquiam no carro, no ônibus, na rua, em qualquer lugar? A questão não era batom e pó compacto, era a invisibilidade. Ninguém gosta de se sentir invisível. A indiferença urbana é uma agressão.
Concluí que esse senhor não espera a ajuda de todos. Mas ele gostaria que as pessoas percebessem sua existência. Como explicar que hoje em dia duvidamos de tudo? É tanta tristeza nas ruas que banaliza. A gente fecha os vidros, os olhos, o coração. Vê e não enxerga. Ou evita contato visual. Desconfiamos se o dinheiro dado vai ser gasto em comida. É falta de oportunidade, de sorte ou é corpo mole? E se a gente já secou por dentro e desaprendeu a se colocar no lugar dos outros?
Retribuir
Às vezes sou eu que passo batom. Pra dar dinheiro, preciso acreditar que existe uma verdade. O fato é que a gente julga em dois segundos: esse é malandro, esse é coitado. O vovozinho? Idosos merecem respeito. Só depois entendi que o dinheiro dado não foi o mais valioso. Dei atenção, sorri, desejei uma boa semana. Ele se sentiu à vontade pra reclamar da indiferença da mulher no carro da frente. Como explicar que tem muita gente que não sabe olhar nos olhos nem da própria família?
Ajudei esse senhor mais de uma vez. Ele está no meu trajeto. Eu estou com uma necessidade enorme de retribuir. Que a gente se encontre mais. Que eu consiga enxergar sempre. Esse senhor não é mais invisível. Não pra mim. E agora não é pra você. Contei que ele segura um papel onde diz que não tem vícios? Acho que o seu único vício é ainda acreditar na boa vontade das pessoas. Você também ajudou, lendo sobre ele.