Coluna da Maga
Magali Moraes escreve sobre a volta à rotina
Eu saí do hospital mas o hospital não saiu de mim. Sexta passada, a minha mãe foi pra casa, e isso é motivo de muita alegria. Então por que me vi chorando tarde da noite na cozinha? De alívio. De agradecimento. Por me sentir a filha mais sortuda do mundo. Por ainda estar desconfiada e querer ver com meus próprios olhos se ela está bem. Por me sentir útil no hospital. Por não ser fácil acalmar o coração.
Vai levar um tempo até que a rotina entre nos eixos e minha cabeça normalize. Ainda me sinto abalada pelos sustos e imprevistos ao longo do caminho. Posso ver no reflexo do espelho a cicatriz dela no meu peito. Não consigo mais reclamar de bobagens. Foram 29 dias intensos física e emocionalmente. Que o trabalho me ocupe a mente, e eu consiga relaxar. E que ela se sinta tranquila, protegida, feliz e confiante.
Flagrante
De todas as refeições sem graça do hospital, vou lembrar das torradas. Na primeira vez em que burlei o sistema e comprei uma torrada quentinha pra minha mãe, entrou no quarto uma mulher de uniforme. Pega em flagrante pela nutricionista, pensei! E agora?! Era a farmacêutica, que sorriu cúmplice e disse "não vi nada". Mas o que vai ficar guardado na minha gaveta principal das lembranças é a latinha de guaraná bem gelada, que um dia ela sonhou na CTI. Por que a gente inventa outros desejos tão difíceis de realizar?
Hoje é segunda-feira, Dia Mundial de Encarar a Rotina. O corte na perna da mãe não é o único que falta cicatrizar. Alguma coisa dentro de mim, também. Engraçada essa fase em que a gente vira pai e mãe dos nossos pais. Só tive filhos homens e a vida inteira me perguntaram se eu não ia tentar a menininha. Pois saibam que tenho uma menininha de 76 anos. Ela é a minha cara, e eu a dela. Na alta, um médico me parabenizou por cuidar tão bem da minha mãe (incomodei eles até não poder mais). Agora é repetir em voz alta que tudo passou. Posso voltar a cuidar de mim.