Fico com vergonha de tirar o sapato na frente de alguém se a minha meia tá furada. Às vezes acontece, nos pega desprevenida. Mas se eu sei que tem um furo no dedão, preciso fechar o buraco o quanto antes. Sabe quando o furo é no calcanhar, e a gente segue usando a meia? O furo vai aumentando, alarga, vira uma cratera. Chega uma hora em que a agulha se perde dentro daquela imensidão. Como juntar as duas partes do tecido? A meia fica tão fininha e puída que mais parece uma renda feiosa. Nenhum cerzido consegue resolver bem.
Pensei nisso andando por aí. Nossas ruas estão viradas uma grandessíssima meia furada. Tão furada que é quase impossível remendar. Nem se a gente chamasse todas as rainhas do cerzido invisível. Os furos abrem e logo se transformam em grandes buracos, que viram crateras. Quando decidem remendar, é serviço grosseiro e feito às pressas. Amanhã já virou buraco de novo. Vai aumentando, num problema sem fim. Dá uma vergonha infinitamente maior do que meia furada.
Cidade remendada
A gente conhece bem o que acontece nessas crateras que tomam conta das ruas. É pneu de carro furado e roda quebrada. É alguém desviando rápido e provocando acidente sem querer. Motos e bicicletas também sofrem, o pedestre nem se fala. Atravessou a rua distraído, torceu o pé. Saiu do ônibus sem olhar pro chão, caiu no buraco. E quando chove, as crateras são piscinas onde a nossa paciência afunda.
Preste atenção no estado das ruas e avenidas. Será que está acontecendo um grande concurso de buracos na cidade e ninguém nos contou? O asfalto, que deveria ser lisinho e uniforme, parece uma colcha de retalhos malfeita, com pedaços desencontrados, desordenados, descombinados. Eu remendar o calcanhar da meia porcamente é problema meu. A cidade toda remendada é problema nosso. Antes esses buracos nas ruas fossem como um furo de traça na roupa. Discretinho, que a gente ainda consegue costurar.