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Febre

Álbum de figurinhas da Copa é atração no recreio das escolas e une pais e filhos

A mania é tão forte que professores de uma escola de Porto Alegre criaram uma Feira de Troca de Figurinhas

15/05/2018 - 09h44min


Marcel Hartmann
Marcel Hartmann
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Isadora Neumann / Agencia RBS
No pátio a céu aberto, meninos e meninas de seis aos 10 anos trocam figurinhas

Eram exatamente 15h05min quando um estrondoso sinal ressoou pelos corredores do Colégio Batista, no bairro Floresta, em Porto Alegre, na última terça-feira (8). Aquele não era um recreio habitual para os alunos do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental. Em vez do futebol e do esconde-esconde, as crianças correram com todas as forças, como pequenos papa-léguas, portando debaixo do braço um livreto azul com capa de plástico. Gritavam quase em uníssono:

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— Hora de trocar figurinhas!

De forma quase cíclica, a febre dos álbuns da Copa do Mundo ressurge a cada quatro anos. Em 2018, às vésperas do Mundial da Rússia, que ocorrerá entre 14 de junho e 15 de julho, pais e filhos unem-se com um mesmo objetivo — conquistar todos os cromos. A brincadeira é inocente, mas costura uma série de efeitos: impõe um agradável desafio com meta definida, estimula a cognição e a interação social, oportuniza a demonstração de afeto entre pais e filhos e constrói uma ponte que liga adultos a seu passado.

— Colecionar objetos estimula muitas habilidades cognitivas e emocionais. Primeiro, a atenção, porque a criança foca na figurinhas que precisa ter. Também a interação, porque você faz parte de um grupo com um interesse em comum e interage com ele, trabalhando o diálogo. E, sobretudo, trabalha-se o processo: o começo, o meio e o fim, que têm obstáculos que geram frustrações que precisam ser ultrapassadas — destaca a psicopedagoga Luciana Brites.

No Colégio Batista, a troca de figurinhas virou mania tão forte que os professores criaram uma Feira de Troca de Figurinhas, evento que congrega no recreio, de forma excepcional, alunos de diferentes idades.

Na última terça, no pátio a céu aberto, meninos e meninas de seis aos 10 anos sentaram-se em pequenas rodinhas em uma agitação febril. Os diálogos entrecortados se sobrepunham aqui e acolá, uma criança atravessando a frase da outra com a pressa típica de quem viveu poucos anos:

— Essa já tenho. Troco três normais pela sua brilhante.

— Alguém tem o Neymar?

Completar o álbum é tarefa árdua. É preciso reunir 682 figurinhas dos jogadores das 32 seleções da Copa. Cada equipe tem cromos de 18 atletas, do emblema da confederação de futebol do país e de uma foto posada do time. O preço do álbum normal é R$ 7,90, mas há uma edição de capa dura por R$ 25,90. O pacote com cinco figurinhas custa R$ 2. Se uma pessoa tivesse a sorte impossível de nunca encontrar uma repetida, gastaria R$ 274 para completar o livro. Mas estatísticos calculam que, sem trocar cromos, o colecionador desembolsa quase R$ 2 mil. Quem entra na brincadeira de trocar vê o valor despencar para cerca de R$ 500 — e ainda acaba interagindo com os amigos. 

Isadora Neumann / Agencia RBS
As meninas, apesar de em menor quantidade, também participam

— Já completei Arábia Saudita e Rússia. Só falta o escudo (da seleção) para eu acabar o Egito — diz João Vitor Curbello, sete anos e aluno do 2º ano do Ensino Fundamental.

— Eu tenho o Alisson. Ele era goleiro do Inter — destaca Arthur Heinrich, da mesma idade e série. — Gosto de colecionar, a gente acaba conhecendo todos os jogadores e países.

As meninas, apesar de em menor quantidade, também participam. Sofia Lemos Prates, 10 anos, observava com atenção os colegas: no dia anterior, ganhara do pai um álbum com 22 pacotes de figurinhas (cada embalagem traz cinco cromos). A parte mais legal da função, diz, é colar — para os desavisados, vale lembrar: as figurinhas dispensam cola, porque são adesiváveis.

— Não jogo futebol, gosto mais de colecionar — conta a aluna do 5º ano.

O fenômeno também contribui para a aprendizagem, observam educadores. Ana Elizabeth Hubner, 38 anos, professora do 1º ano do Ensino Fundamental, descreve a dedicação dos alunos com um ar divertido. Apesar de a febre lhe causar pequenos transtornos práticos na aula (ela é interrompida diversas vezes por pequenas vozes de anjo solicitando autorização para trocar figurinhas, inclusive enquanto fala com o repórter), Ana Elizabeth tem apreço pela brincadeira — tanto que ela mesma entra na roda e troca cromos com os alunos, levados para o filho de quatro anos.

No começo, pensei que era dinheiro gasto, mas é um momento em família, quando o iPad fica de lado. Meu filho sempre pergunta se tem figurinha nova.

ANA ELIZABETH HUBNER

Professora

— No começo, pensei que era dinheiro gasto, mas é um momento em família, quando o iPad fica de lado. Meu filho sempre pergunta se tem figurinha nova — afirma. — Os alunos também treinam a memorização dos números e dos nomes dos países. E, para eles, professores são sempre referência. A brincadeira costuma ser mais de menino, e aí eles perguntam: mas profe, tu também gosta de futebol? Tu também gosta de trocar figurinha? — diz.

Carolina Fraga, orientadora educacional da Educação Infantil e dos primeiros anos do Ensino Fundamental do Colégio Batista, lembra que a febre dos álbuns é recorrente e cita que as crianças não costumam disputar as figurinhas com o "bafo".

— Todo ano tem álbum, de futebol, de Pokémon… Algumas crianças se interessam muito, outras começam para se incluir. Tem famílias que entram junto, levam figurinhas para o trabalho ou estimulam os filhos a administrarem a mesada. As crianças aprendem o que é uma combinação ao trocarem a figurinha e não tomar de volta, a separar o que é seu do que é do outro e a cuidar de um objeto — salienta.

Brincadeira de adulto

No Facebook e no WhatsApp, proliferam grupos para troca de figurinhas no melhor estilo "anúncio de classificados". Mas o ponto alto é a troca ao vivo mesmo. Em Porto Alegre, há uma série de locais onde, aos finais de semana, os colecionadores reúnem-se (confira abaixo alguns pontos formais e informais).

Um dos mais tradicionais é a banca de revistas de Mozart Maciel, 51 anos, localizada na esquina da Avenida José de Alencar com a Rua Múcio Teixeira, no bairro Menino Deus.

— As pessoas vêm aqui há 20 anos. No sábado de tarde, a calçada fica lotada, com centenas de pessoas — diz.

De fato, por volta das 16h do sábado de 5 de maio, havia mais de cem frequentadores na calçada. Ao observar a movimentação, fica nítido que colecionar figurinhas também é brincadeira de adulto. A dinâmica é simples, mas efetiva: de forma quase orgânica, formam-se pequenos grupos de adultos, adolescentes e crianças. Por vezes, pais e mães parecem até mais entusiasmados e negociam em nome dos filhos. Os pequenos observam, olhando para cima.

A servidora pública Luciane Rivarolly, 33 anos, é uma das que ficaram surpresa com a atitude ao entrar de cabeça no "meio das figurinhas", após a filha, Yasmin Suchy, sete anos, pedir o álbum. Luciane critica o pragmatismo dos mais velhos.

Isadora Neumann / Agencia RBS
No Colégio Batista, a troca de figurinhas virou mania tão forte que os professores criaram uma Feira de Troca de Figurinhas

— As crianças têm boa fé e ficam com vontade de doar as figurinhas repetidas. Mas aí os pais se intrometem e impõem suas regras, dizendo que não podem fazer isso, que é preciso trocar e não dar, chegam a mandar mensagem no grupo dos pais no WhatsApp oferecendo troca. Muitos compram 10 pacotes de figurinhas de uma vez. Talvez seja a angústia que tínhamos quando éramos menores, aí alguns querem compensar — reflete.

O interesse é uma forma de projetar nos filhos a frustração da própria infância, debaixo do velho mantra "dar para os meus o que não me foi dado", explica a psicopedagoga Luciana Brites. Só que, ao se intrometerem demais, os pais retiram a autonomia dos filhos e os impedem de aproveitar os benefícios da brincadeira. Para isso, é preciso estabelecer regras.

—O combinado tem que ser desde o início, para definir de quem é a responsabilidade de cuidar do álbum: do pai ou do filho?— questiona a psicopedagoga.

Claro que a participação dos mais velhos tem um fundo nostálgico: colecionar figurinhas é um hábito também adotado quando eles eram menores. Mas é preciso ter limites, lembra o psicólogo André Verzoni, doutorando em psicologia pela PUCRS e pesquisador da empatia e da interação social:

—Tem que deixar as crianças brincarem, senão elas ficam privadas da experiência. É preciso se envolver no sentido de conversar. Mas a criança tem que descobrir por ela mesma como completar o álbum. Para elas, os jogadores são como super-heróis, são a conexão entre o mundo fantasioso e a realidade concreta na qual as crianças estão se inserindo. O álbum é um meio de diálogo e de socialização. 

Fernando Gomes / Agência RBS
Heleani Chaves, 59 anos, transitava entre os grupos para trocar cromos repetidos

Sem usar a desculpa dos filhos, a servidora pública Heleani Chaves, 59 anos, circulava curiosa entre os grupos. Com uma folha de papel rabiscada, ela estampava os números dos cromos que lhe faltavam, mais de 200. Naquele sábado, ela se deslocou do bairro Passo d'Areia, onde mora, até o Menino Deus para trocar figurinhas. Deu certo: conseguiu mais de 60 novas.

— Minha filha ri de mim, mas é tão lindo de ver um álbum completinho. Antigamente, eu trocava mais e comprova menos. Agora, se quero, compro figurinhas, tenho autonomia e salário. Antes de sair para a academia, falo para meu marido: não vai colar minhas figurinhas — brinca.

O tradicional "bafo", brincadeira na qual a mão é posicionada em forma de concha para capturar a figurinha do adversário, também não é tão visível por aqui. Gabriel Azambuja, 13 anos, que estava na esquina do Menino Deus com o pai, o servidor público André Azambuja, 56 anos, e o amigo João Vincenzi, 12 anos, explica o motivo:

— Gosto do desafio de colecionar. Mas não gosto de "bafo", a gente acaba perdendo muita figurinha.

O gosto de Gabriel pela brincadeira é movido pela paixão por futebol, mas também foi aprendido com o pai, que alimentava, nos idos dos anos 1970, uma coleção inusitada: adesivos de campanha de políticos. André chegava a visitar, com amigos, gabinetes de deputados da Assembleia Legislativa para angariar mais itens.

— Nem sei o motivo, a gente não tinha o que fazer! Mas era muito legal. Com o Gabriel, começamos o álbum da Copa quando ele tinha seis anos. Eu dou o suporte, nos entretemos, e ele acaba conhecendo todos os países. É um jeito de reviver a infância — sintetiza. 

Isadora Neumann / Agencia RBS
De forma quase cíclica, a febre dos álbuns da Copa do Mundo ressurge a cada quatro anos

Onde trocar figurinhas em Porto Alegre?

Praça de alimentação do Shopping Bourbon Ipiranga — sábados e domingo à tarde. 

Banca José de Alencar (esquina da Avenida José de Alencar com a Rua Múcio Teixeira) — sábados e domingos, das 10h às 18h. 

Viva Open Mall (Av. Nilo Peçanha 3228) — sábados, das 11h às 14h (até o fim da Copa). 

Boulevard Laçador (Avenida dos Estados, nº 111), em frente ao restaurante 111 Bistrô & Café — sábados, das 14h às 20h (até 9/6). 

Boulevard Assis Brasil (Av. Assis Brasil, 4320), na Praça de Alimentação, em frente ao McDonald’s – sábados, das 14h às 20h (até 09/06).

Livrarias Saraiva dos Shoppings Praia de Belas, Iguatemi, Barra e Iguatemi — sábados, das 12h às 15h (até 30/6). 

Barbearia Don Júlio (Avenida Panamericana, 795, Jardim Lindoia) — sábados, das 10h às 12h (até o início da Copa). 

Banca Maiser (Praça da Alfândega, Centro Histórico, em frente ao Santander Cultural) — segunda a sexta, das 12h às 14h. 

Banca Nova York (Esquina das Rua 24 de Outubro com a Rua Nova York, em frente ao Restaurante Roister) — sábados, das 14h às 19h.

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