Balé
Menino Brian volta ao Estado e estreia em espetáculo da Escola do Teatro Bolshoi no Brasil
Aos 12 anos, ex-morador de Canoas dança na Capital como integrante da única filial no mundo da companhia de dança de Moscou
Enquanto observava o alongamento dos bailarinos mais experientes, Brian Soares dos Santos, 12 anos, também buscava a concentração necessária para o que viria uma hora depois, na tarde de ontem. O ex-morador do bairro Rio Branco, em Canoas, estava prestes a realizar um sonho: estrear como bailarino da Escola do Teatro Bolshoi no Brasil, no Estado onde nasceu.
Minutos antes das cortinas se abrirem, ele ainda ensaiava com o colega paulista Lucas Antônio de Lima, 12 anos, os últimos passos do primeiro ato. Pedia ajuda até para os bailarinos principais do espetáculo. Não queria errar na apresentação de abertura da Grande Suíte do Ballet Don Quixote, programada para as 16h.
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O momento seria ainda mais especial porque contemplaria crianças, adolescentes e idosos participantes de programas sociais. Era a chamada Formação de Plateia, na qual há uma interação gratuita dos 80 bailarinos com o público visando estimular o gosto pelas artes e o hábito de frequentar o teatro.
— Quando entrar no palco não vou conseguir controlar o arrepio. Nunca dancei neste teatro. Vai ser emocionante — comentava o menino, enquanto dava os últimos retoques na maquiagem em frente ao espelho.
Na apresentação de 120 minutos, versão do bailarino e coreógrafo russo Vladimir Vasiliev, Kitri e Basílio, protagonistas da obra, vivem uma intensa história de amor, heroísmo e ilusão, com traços hispânicos marcantes. Brian ganhou um papel na figuração, como um dos meninos de rua que brinca, dança e conversa com os demais personagens. Aluno de uma das turmas dos que já possuem alguns conhecimentos da arte, ele ganhou o papel por bom comportamento e dedicação à dança.
— É uma oportunidade única. Ensaiamos todos os dias, até tarde. Mas vale a pena. Não vou desistir — garantiu.
Dedicação para vencer a saudade
Depois de dez minutos de apresentação, Brian entrou pela primeira vez no palco. E mesmo mantendo o sorriso no rosto, arregalou os olhos ao ver o teatro lotado. Em segundos, se recompôs e entrou no personagem para só sair dele depois que as cortinas se fecharam. É o começo para quem chegou a Joinville (SC) há apenas dois meses como aluno do Bolshoi.
Em julho do ano passado, Brian foi um dos oito selecionados entre 430 participantes da audição de julho de 2017 da instituição. No início deste ano, o guri de 1,37m e 30 quilos conseguiu se mudar com os pais e o irmão para Santa Catarina, onde se tornou aluno da única filial no mundo do Teatro Bolshoi de Moscou. A viagem só se concretizou com a abertura de uma campanha nas redes sociais, que mobilizou doações. Esta é a primeira vez que o menino retorna ao Estado depois da mudança.
— Quando vi que estávamos no Rio Grande do Sul, me deu uma saudade da minha cidade. Deu até vontade de ficar, mas eu tenho que voltar para Joinville e continuar estudando — garantiu, convicto.
História de superação
Brian, cuja história de superação foi contada nas páginas do Diário Gaúcho em janeiro deste ano, conheceu o balé em 2015, durante uma brincadeira com uma prima, da mesma idade dele. Dias depois, com a menina, conheceu a escola de dança frequentada por ela no bairro Rio Branco. No canto da sala, enquanto imitava as alunas, o guri despertou a atenção da professora Gabriele Schutz. Mesmo sem nenhum conhecimento, demonstrou habilidade nos alongamentos e nas técnicas avançadas da dança. Foi convidado, imediatamente, a se juntar ao grupo.
Brian enfrentou o preconceito de pessoas próximas, a negativa inicial do pai, Gilson Garcia dos Santos, 35 anos, — que, mais tarde, se tornou o maior apoiador do filho —, o medo de não conseguir manter os estudos devido às condições financeiras da família e a difícil seletiva do Bolshoi.
Ele só deixou a turma da professora Gabriele quando se mudou para o Estado vizinho ao lado de Gilson, da mãe Fernanda dos Santos, 30 anos, e do irmão Mikael, cinco anos. Hoje, Fernanda é servente no Hospital Municipal São José e Gilson, trabalha como ajudante de motorista numa distribuidora.
Porto Alegre está sendo a estreia do menino também sem a família. E os ensaios seguem, inclusive, em meio à viagem. Na noite de terça-feira, por exemplo, dançou até a meia-noite com os colegas. Tudo para que o espetáculo saia com perfeição nas três apresentações previstas entre quarta e quinta-feira.
Renda revertida para a Santa Casa
A escola do Bolshoi tem 220 alunos, todos bolsistas. Para se manter no Brasil, a instituição depende dos patrocinadores. E é um destes patrocinadores que trouxe a escola para apresentações beneficentes no Teatro do Bourbon Country, em Porto Alegre — a última é hoje, às 21h (ingressos entre R$ 180 e R$ 300, na bilheteria e no site uhuu.com). A renda será revertida para a Maternidade da Santa Casa de Misericórdia.