Copa 2018
Depois do trauma de 2014, torcedores estão prontos para o Brasil
Reportagem voltou a cinco dos 28 personagens que participaram da seção O Povo da Copa, em 2014, no Diário Gaúcho
Para Rose, Adilson, Babu e Santa Brasil, o trauma da Copa de 2014 ficou no passado. Chegou a hora de torcer pela Seleção Brasileira de Futebol, mais uma vez. E, enquanto a Seleção Brasileira de Futebol estiver na Rússia, as decepções cotidianas perderão espaço na rotina deles. Dérick, ao contrário dos quatro, estreará em copas do mundo. Na última, o menino ainda estava na barriga da mãe.
Em meio ao mundial no Brasil, os cinco estiveram nas páginas do Diário Gaúcho na seção O Povo da Copa. Durante 28 dias, a reportagem contou as histórias de apaixonados por futebol, moradores de diferentes partes da Região Metropolitana de Porto Alegre. Agora, antes de a bola rolar pela primeira vez para a Seleção Canarinho no Leste Europeu, o DG volta a alguns destes torcedores para mostrar como eles estão se preparando para a Copa 2018.
A primeira Copa de Dérick
Durante a Copa de 2014, Graziela Arruda Alves, hoje com 36 anos, do bairro Lomba do Pinheiro, na Capital, se preparava para estrear como mãe. Na época, grávida de quase sete meses, a recicladora atuou na linha de frente da central de triagem de lixo montada no Beira-Rio para o Mundial. Foram 45 dias de árduo trabalho que viraram R$ 3,8 mil no bolso de Graziela. O montante seria usado para a construção do quarto do primogênito. Porém, os planos mudaram logo depois do encerramento do Mundial de 2014.
Com problemas na gestação, causados pelo esforço realizado durante a gravidez, Graziela deu à luz Dérick Thimoty Alves Miranda um mês antes do previsto. Para piorar a situação, ainda no hospital, o menino caiu do colo da mãe e teve fratura no crânio, com menos de sete dias de vida.
— Ficamos internados e o dinheiro do quarto acabou sendo utilizado no tratamento do meu filho. Ele precisou de leite especial e muitos medicamentos — conta Graziela.
Passados quatro anos, Dérick não apresenta nenhuma sequela decorrente do difícil começo de vida. É um garoto que a cada dia diz ser um novo super-herói, ama futebol, diz que é gremista e na maior parte das frases se comunica falando apenas a primeira sílaba de cada palavra. Serelepe, na tentativa mais recente de ser Super-Homem, acabou quebrando os dois dentes da frente ao saltar do sofá da sala e cair no chão.
A bola de futebol, por exemplo, só é liberada para o menino nos finais de semana ensolarados, depois que Dérick quebrou a televisão da sala com um chute. Chovia no dia em que a reportagem esteve na casa da família, mas o menino ganhou algumas horas extras com o brinquedo. Faceiro, deu bicos, tentou fazer embaixadinhas e até equilibrar a bola das costas enquanto era fotografado.
— Ele ama futebol. Quando os jogos começarem, vou mostrar a ele a nossa Seleção. Quero que ele seja torcedor, igual a mim. E campeão de superação do jeito que é, verá o hexa neste ano! — acredita a mãe.
— Vo (vou) chu (chutar) a bo (bola), mã (mãe)! — gritou o menino à Graziela e à reporter, antes de derrubar parte do acrílico da janela com um chute, encerrando a entrevista.
Reza forte para o hexa
Quatro novas bandeirolas verde-amarelas juntaram-se às outras 2014 preparadas há quatro anos por Santa Eva Brasil de Assis, 70 anos, de Sapucaia do Sul. A saga das bandeirinhas começou em 2010, quando ela fez apenas 200 e a Seleção Brasileira foi eliminada nas quartas-de-final. Na Copa seguinte, decidiu fazer a quantidade referente ao ano do Mundial. Nem assim, a Seleção conquistou o título. Desta vez, ainda acreditando no poder das bandeirolas, a senhora de 38kg distribuídos em 1,55m instalou sozinha todas elas no pátio.
Famosa na cidade desde a Copa passada, quando a Rua Portão virou atração por conta da torcida dela, Santa Brasil recebeu o auxílio da prefeitura. Funcionários da administração municipal pintaram o asfalto em frente à casa da torcedora ilustre com as cores do país e os anos dos Mundiais conquistados pela Seleção.
— Estou rezando para os meninos fazerem bonito na Rússia. Meu esforço não será em vão. Tenho fé que, desta vez, vamos ser campeões. Nada nos segura! — afirma Santa Brasil.
Pequeno Goleador na cabeça
Em 2014, o cabeleireiro Fabiano Soares Cardoso, conhecido em todo o Estado como Babu, 43 anos, desenhou o rosto do craque Neymar na cabeça de um adolescente. E foi sucesso. Na época, quando ele tinha dois salões de beleza em Porto Alegre, surgiram clientes pedindo desenhos de marcas esportivas e até do personagem mexicano Chaves.
Hoje, dono de quatro lojas na Capital e atuando mais como administrador, Babu decidiu reproduzir o lobo Zabivaka (Pequeno Goleador, em russo), o mascote da Copa 2018, na cabeça do estudante Vitor Henrique de Lima Peixoto, 12 anos. Detalhe: sem qualquer teste anterior.
Vitor, que gosta de futebol, mas diz não estar confiante na Seleção, permaneceu imóvel e quase mudo sobre a cadeira de barbeiro, enquanto Babu passava navalha e máquinas 1, 2 e de acabamento para garantir o resultado. Concentrado, com um olho na imagem exposta no celular e outro na cabela de Vitor, Babu reconheceu estar diante de um dos maiores desafios de 27 anos de trabalho.
— Nunca fiz curso de desenho, aprendi praticando. Mas considero um trabalho difícil porque preciso mostrar suavidade na imagem, mesmo sem ela ter qualquer marca de expressão — explicou.
Para surpresa de quem acompanhava a movimentação no salão e do próprio Vitor, depois de duas horas, Zabivaka surgiu sorrindo na cabela do menino. Um trabalho como este custa, em média, R$ 120.
— Bah! Ficou muito legal! Mas quem é ele? — questionou, o guri, antes de saber a identidade do personagem.
Se Vitor quiser continuar exibindo o corte diferenciado, precisará retocar a cada oito dias.
O estranho no ninho da Família Goulart
Fanática pela Seleção, a dona de casa Rose Moraes Goulart, 49 anos, do bairro Rio Branco, em Canoas, finalmente convenceu o marido, o funcionário público Gerson Goulart, 57 anos, a vestir a amarelinha para a Copa 2018 junto com ela e a filha Jackeline Goulart, 19 anos. No Mundial passado, para decepção de ambas, Gerson vestiu as cores da Alemanha e comemorou a vitória do time pelo qual torceu.
— Desta vez, com medo de perder o casamento de 30 anos, vou dar uma torcidinha pelo Brasil, mas acho que Inglaterra ou Espanha vencem — confessa Gerson, às risadas.
Mas nem com preces — Rose é católica fervorosa, a matriarca conseguiu convencer o filho, William, 25 anos, a se juntar à família. O estranho no ninho dos Goulart, como ele é chamado, torce para a Argentina desde a Copa América de 2004.
— O Brasil só empatou com os argentinos por culpa de um gol roubado, feito pelo Adriano Imperador. Depois, ganhou nos pênaltis. Me deu nojo. Depois, em 2006, com o tal quadrado mágico furado, minha vontade de torcer pelo Brasil acabou de vez. Desde então, sou Argentina — justifica William.
Para este ano, mais confiante, Rose acredita que o fiasco da Copa passada foi enterrado.
— Estamos mais fortes e mais experientes. E o Gerson voltou a torcer pelo Brasil. O hexa virá! — garante.
Vai ter muro pintado
Pela segunda Copa consecutiva, vai ter muro pintado com bandeira do Brasil na Rua Avaí, em Canoas. O feito é do metalúrgico Adilson Benitz Ferrão, 40 anos, que deve concluir a obra neste sábado. Com a ajuda dos vizinhos e da Ferragem Navegantes, que doou as tintas, Adilson renovará as cores do esmaecido lábaro presente no paredão em frente à casa dele.
Apaixonado por futebol, Adilson sempre quis ver a vizinhança mais unida em prol do esporte. Por isso, começou pintando um campinho no meio do asfalto da Rua Avaí. O lugar virou ponto de encontro nos finais de semana. Em 2014, cansado de ver pichado o muro dos vizinhos, ele propôs colocar as cores do Brasil. Mesmo com a Seleção não vencendo, a bandeira permaneceu até agora — quando ganhará a nova pintura.
— Temos uma vizinhança muito unida. Vamos pintar o meio-fio de verde-amarelo, em apoio ao Brasil. E se o time chegar à final, fecharemos a rua para um grande churrasco comunitário — calcula, animado, Adilson.