Arte expressionista
Oficina de artes do Instituto Psiquiátrico Forense será tema de seminário
Atividade com pacientes psiquiátricos em cumprimento de medidas do Judiciário foi idealizada pelo artista plástico Aloizio Pedersen
Em silêncio, E., 60 anos, subia e descia o pincel encharcado de tinta amarela sobre o imponente leão que surgia na tela. Na mesma sala onde a obra era concluída, outros 42 autores também buscavam inspiração para criar. O cenário se repete a cada manhã de sexta-feira no Instituto Psiquiátrico Forense (IPF) Maurício Cardoso, em Porto Alegre, onde pacientes psiquiátricos em cumprimento de medidas do Judiciário são estimulados a expandirem a comunicação por meio da pintura.
— Meu leão representa a força e a coragem. É como eu, que sempre precisei enfrentar as batalhas da minha vida. Pintar tem me acalmado — confidencia E., seguido de um longo suspiro.
Uma vez por semana, por cerca de duas horas, as grades da instituição são esquecidas pelos pacientes. Entre tintas, papéis, telas e pincéis, o grupo ganha a liberdade para criar. Idealizado pelo artista plástico e professor aposentado Aloizio Pedersen, 60 anos, o projeto Arteinclusão completa um ano neste mês. Com o apoio da psicóloga do IPF Maynar Vorga, ele supervisiona o desenvolvimento do trabalho, autorizado pela Vara de Execução das Penas e Medidas Alternativas. A atividade é mantida com a verba proveniente das penas pecuniárias e acaba de ser renovada pela Vara até o final de 2019.
— A gente percebe uma mudança no comportamento dos pacientes. A partir da oficina, eles ganharam mais concentração, espírito de cooperação, organização, autonomia e respeito pelo próximo. O processo é o que vale. E isso é mais importante do que a obra finalizada — ressalta Aloizio.
Nos primeiros 12 meses, mais de 100 telas já foram produzidas e estão à venda no próprio IPF com valores entre
R$ 50 e R$ 170. Algumas acabaram vendidas e o dinheiro, repassado ao autor da obra comercializada. E. foi um deles. Com o pagamento de uma obra, ele comprou um óculos novo.
— Voltei a me sentir útil — resume.
Abnegado por levar a arte para além dos museus, Aloizio conquistou dois prêmios nacionais com um projeto de pintura em tela desenvolvido com jovens internos da Fase durante cinco anos. Foi esta experiência que o levou a pensar numa proposta específica no IPF. Para Aloizio, o Arteinclusão é um novo olhar sobre arte, loucura e aprisionamento, unindo arterapia, profissionalização, geração de renda e cidadania.
— A partir de exercícios expressionistas, gestuais e espontâneos, aqueles que chegam apáticos, medicados, com o sofrimento das catástrofes existenciais a que foram expostos pela doença mental e por toda série de estigmas a que são vítimas, passam a melhorar em autoestima e autoimagem. Já é uma vitória — explica Aloizio.
O sucesso da oficina ganhou a atenção e a visita de nove universidades do Estado. Alunos dos cursos de Direito e Psicologia são o foco da apresentação. Na próxima quinta-feira, o resultado do Arteinclusão será apresentado ao público em geral no seminário "Uma Chance para a Arte: Interfaces com o Aprisionamento", na Unisinos Porto Alegre.
— Ao começarem a pintar e se expressar, estes pacientes conseguem falar de coisas que antes não falavam. No IPF trabalhamos o "Sinto, logo existo". Combatemos o estigma e a segregação socialmente produzidos — afirma Maynar.
Árvore da vida
T., 39 anos, chegou à instituição ao mesmo tempo em que se iniciava a atividade, em junho do ano passado. Enfrentando a depressão, ela negava-se a participar do projeto por jamais ter mexido com tintas e pincéis. Chegou a ir até a porta da sala onde os pacientes se reúnem para o trabalho, mas desistiu.
— Tinha medo, não queria vir. Me achava incapaz de qualquer coisa. Tomei coragem quando vi todos alegres na oficina. Hoje, conto os dias para estar aqui — confessa T., que também teve uma obra vendida.
Mais experiente, T. se tornou mentora de K., 20 anos, que chegou há dois meses ao IPF e, assim como a colega, não tinha qualquer experiência com pintura. Juntas, as duas trocam ideias sobre as obras e as cores e estão concluindo a primeira obra em parceria.
— É uma árvore da vida. Colocamos todo o nosso amor nesta imagem. Lembrei da minha família, que tenho saudade — conta K.
Serviço
* Seminário Uma Chance para a Arte _ Interfaces com o Aprisionamento
* Onde: salas 807, 808 e 809 da Unisinos Porto Alegre (Avenida Nilo Peçanha, 1.600)
* Quando: 14/06/2018, das 8h30min às 11h30min
* Aberto ao público em geral
* Quem não for aluno da Unisinos deve fazer a inscrição por meio do e-mail chance@unisinos.br, com nome completo e número do RG.
* 25 telas acrílicas estarão no Hall de Entrada da Universidade, que vai com visitação até 24/06