Na UTI
Saúde pede socorro em Guaíba
Cidade da Região Metropolitana conta apenas com pronto-atendimento. Casos mais graves são encaminhados para Porto Alegre
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o município de Guaíba, na Região Metropolitana, tem uma população aproximada de 98 mil pessoas. Parte desses habitantes não nasceu na própria cidade nos últimos 10 anos. Pelo menos, não em uma maternidade. Desde 2009, quando a Justiça determinou o fechamento da única maternidade da cidade, no Hospital Nossa Senhora do Livramento, Guaíba não tem o serviço. Os partos são realizados em Porto Alegre ou em cidades próximas, como Camaquã e São Jerônimo. Além disso, desde 2015, quando o Livramento fechou as portas em definitivo, não há um hospital que atenda pelo SUS no município.
Atualmente, os atendimentos de rotina também não são feitos em um hospital de verdade. O pronto atendimento (PA) é que recebe os pacientes em casos emergência – em situações mais graves, o encaminhamento para a Capital é quase certo.
O Diário Gaúcho acompanha a situação desde 2015. O prédio que deveria abrigar o hospital é o mesmo onde está o PA. Ou seja, a unidade, com cerca de 300 leitos e até uma maternidade pronta e nunca utilizada, funciona parcialmente.
Além disso, no mesmo terreno onde fica o “PA/Hospital”, um prédio de dois pavimentos, com boa parte da estrutura de alvenaria já pronta, está abandonado. O local seria sede de uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), construída com recursos da União. Entretanto, impasses judiciais paralisaram a obra, que hoje acumula lixo, água parada e até peças de automóveis – um tanque de combustível foi encontrado no local durante visita da reportagem.
Esqueleto
Colchões e roupas espalhadas pelos cômodos também demonstram que o prédio está sendo usado como abrigo por moradores de rua. Em um dos espaços, uma espécie de quarto chegou a ser montado, com um colchão e um pequeno gaveteiro. Em outro ponto, a água escorre pelas paredes e vigas, infiltrando o cimento e deixando o solo úmido e fértil para o mato que já toma conta do chão.
Dono de uma mecânica em frente ao esqueleto da UPA, o empresário Leandro Pinhatti, 49 anos, se mostra incapaz de entender como uma cidade do tamanho de Guaíba não tem um hospital completo. Diariamente, ele conta que lida com o medo de ver pessoas estranhas usarem o espaço próximo de seu comércio para o consumo de drogas ou até para prostituição.
Relatos de demora no atendimento
Em poucos minutos na porta do PA de Guaíba já é possível ouvir uma porção de histórias relacionadas aos problemas no atendimento médico. O porteiro e vigilante André Machado da Rosa, 38 anos, trouxe o filho para ser atendido na emergência. Com dois anos e meio, Pedro estava com fortes dores de garganta.
Atropelada
Com os documentos do pequeno estava uma requisição de exame de sangue, que ele recebeu na Unidade Básica de Saúde (UBS) da sua região, no final de 2018.
— Vim em dezembro mesmo pedir o exame aqui no hospital. Mandaram voltar em janeiro. Quando voltei, disseram que era melhor retornar depois do Carnaval. Vim hoje (quinta-feira), bem depois do Carnaval, segue sem data — critica o pai, que desistiu de esperar e vai pagar pelo exame.
A dona de casa Geisiane Rocha, 20 anos, foi atropelada em março. Foi atendida pelo Samu e levada ao PA da cidade, mas acabou sendo transferida para Porto Alegre. Na quinta, foi retirar pontos pois a UBS do bairro estava fechada.
— O tratamento da fratura está sendo muito bom, mas tenho que ir até Porto Alegre. Quando é necessário buscar atendimento aqui, preciso ter paciência, pois demora muito.
Prefeitura diz trabalhar para abrir um hospital
A demora para ser atendido nem é o que mais preocupa o motorista José Marcelo Xavier Folgearini, 51 anos. Para ele, a cidade não contar com uma maternidade é ainda mais grave.
— As mães fazem o pré-natal todo aqui e na hora de ganhar têm que ir a Porto Alegre, principalmente. E o pior é que a maternidade do hospital está pronta desde 2015, mas não abre — diz o motorista.
O prefeito de Guaíba, José Sperotto, reconhece que o município não tem, e nunca teve, um hospital público que atenda 100% via SUS. Segundo ele, instituições que já funcionaram na cidade, como a Casa de Saúde Solon Tavares e o Hospital Nossa Senhora do Livramento, eram privado e filantrópico, respectivamente.
— Com o fechamento destas instituições, a cidade construiu um hospital e não teve condições de abrir suas portas. Guaíba não tem hospital, só tem o Pronto Atendimento. Quando assumimos o governo, só a parte da estrutura estava pronta. Com emendas parlamentares e outros recursos, deixamos o local mobiliado e 90% equipado para atender — explica Sperotto.
Sem previsão
E qual a razão para apenas o PA funcionar no local? O prefeito aponta que não há condições de o município manter a instituição. Por isso, são buscadas parcerias com entidades capazes de assumir a administração, como revela o chefe do Executivo:
— Temos três linhas de ação. Conversamos com equipes do Divina Providência, do Sírio-Libanês e do Hospital Vila Nova, que, aliás, está fazendo um levantamento do custo mensal para operar a instituição.
Segundo o prefeito, o estudo técnico da operação será apresentado em reunião no fim deste mês com a Secretaria Estadual da Saúde (SES-RS). Também será mostrado aos ministérios da Saúde e da Casa Civil em agenda no mês de maio.
— Precisamos fechar a parceria com alguma entidade e conseguir o apoio do Estado e da União. Assim, teremos uma relação tripartite custeando a unidade com recursos federais, estaduais e municipais — projeta.
Entretanto, Sperotto não define um prazo para abertura completa do local, pois “isso depende do sucesso das parcerias e de recursos de instâncias superiores”. Quanto à UPA, ele informa que o projeto foi descontinuado.
A prefeitura está devolvendo à União, em 60 parcelas, os R$ 1,4 milhão que já foram investidos no local:
— Depois da abertura do hospital, vamos ver o que fazer naquele prédio, mas não será mais UPA. A Secretaria Municipal de Saúde ficará ali, provavelmente, além de outras estruturas do município.