Coluna da Maga
O saquinho de gelo
Colunista escreve às segundas, quartas e sextas-feiras no Diário Gaúcho
O dia a dia tem cenas tão fofas pra amolecer o nosso coração. Pensa numa avenida cheia de carros, a cabeça da gente focada nos compromissos, o sinal que fecha quando temos pressa. Aí alguma coisa faz olhar pro lado: uma mãozinha com dedos gordos, segurando na testa um saquinho plástico com dois cubos de gelo dentro. Sentada no banco da frente, uma menina conversava com o tio da van enquanto o gelo amenizava o estrago. Acho que estavam só os dois, ela deve ser a que mora mais longe da escola.
O que eles falavam? O motorista contava uma piada pra distrair a dor da menina até ela chegar em casa? Banco da frente é lugar nobre, tem a melhor vista. Ela sempre senta ali ou foi só hoje? Imaginei as histórias que esse tio deve ter pra contar. Deu vontade de entrar na van com eles. Perguntar pra menina o que aconteceu. Soprar o joelho, se precisasse. Caiu no pátio durante o recreio? Se machucou na Educação Física? Foi a profe que arrumou o saquinho com gelo? Três cubos seriam demais pra ela segurar.
Experiência
Me perguntei se ligaram pra mãe da menina avisando. Metida, eu?! Tenho experiência no assunto. Tomei bons sustos no período escolar. E liguei muito pro colégio. Mães se preocupam com cada coisa. Tudo passa, as cicatrizes diminuem de tamanho e relembram pra sempre a infância. Talvez a mãe da menina ainda nem soubesse de nada. A batida foi no começo da manhã? Alguém empurrou? A pequena secou o choro e seguiu copiando a matéria do quadro?
Nunca vou saber seu nome, onde ela estuda e o que aconteceu. Mas juro que senti uma atenção do tio da van (ele tinha jeito de querido). Vai ver suas barrigas já estavam roncando e os dois falavam em comida. Aquela mãozinha fofa segurando o saquinho de gelo me tirou do automático. Me fez voltar no tempo. Obrigada, viu? Quando o sinal abriu, amarrei um pouco pra tentar observar mais. Vi que a menina sorriu. Eu sorri também. Depois todos nós seguimos adiante.