Papo Reto
Manoel Soares: "O chicote ainda estala"
Colunista escreve nas edições de final de semana do Diário Gaúcho
Conversando com um amigo judeu, perguntei a ele o motivo de tantos filmes, livros e documentários sobre atrocidades cometidas pelos nazistas. Ele me deu uma resposta muito lúcida e concreta: disse que precisava sempre estar falando sobre o que o seu povo sofreu, para que a sociedade não esqueça e acabe repetindo toda a tragédia.
Baseado nessa observação, lembrei que, nessa semana, um jovem de 17 anos foi filmado enquanto era chicoteado por dois seguranças em um supermercado. Antes de chicotearem o jovem, amarraram a boca dele para que os seus gritos não fossem ouvidos. Os advogados dos seguranças alegam que este jovem foi agredido porque cometeu o crime de roubar um chocolate.
Todo e qualquer crime ou contravenção deve ser punido no rigor da lei. Nenhum segurança, nem policial ou advogado pode tentar fazer justiça com as próprias mãos. Quando a comunidade negra fala a respeito da escravidão e explica os bastidores históricos de 300 anos em que pessoas foram acorrentadas, é para que essas atrocidades não se repitam. Mas, quando a sociedade impede que essas verdades venham à tona, abrimos precedentes para que o que aconteceu durante a escravidão no Brasil se repita nos porões de supermercados, delegacias e outros espaços em que a sociedade não está vendo.
No caso desse jovem, eles gravaram o vídeo, por isso a história veio à tona e a sociedade se posicionou. Porém, muitas outras situações invisíveis estão acontecendo, remetendo ao que ocorria durante a escravidão, e a sociedade não está fazendo absolutamente nada. É importante que defendamos a luta das pessoas negras que moram na periferia, porque o chicote ainda estala, e essa verdade não pode continuar escondida.