Papo Reto
Manoel Soares: "A vida na favela é mais frágil, e a morte é uma vizinha mais próxima"
Colunista escreve nas edições de final de semana do Diário Gaúcho
Há algumas semanas venho aqui neste espaço dizer que tenho medo do momento em que o coronavírus entrar nos becos e vielas. Não somente pelos aspectos médicos, mas porque quando as pessoas pobres começam a morrer, a dor fica menos chocante. É fácil de entender. Quando morrem 40 pessoas em uma chacina nos Estados Unidos, a mídia mundial para e fica de luto. Quando morrem 40 africanos em uma chacina, a imprensa, às vezes, nem faz matéria.
Esse descaso não é somente por conta da cor da pele, mas também porque os países africanos são mais pobres. Morte de pobre não comove, não mobiliza, não choca. Morte de pobre é natural aos olhos da sociedade, e essa naturalização faz com que todos relaxem. Os pobres se acostumam a enterrar parentes, a mídia não vê mais novidade, a comunidade médica assume sem constrangimentos a incapacidade de salvar vidas e, assim, vidas e sonhos são reduzidos a números e estatísticas.
Diferenças
Infelizmente, a forma como nós, da periferia, olhamos a morte é diferente da classe média e da classe alta. Velórios de jovens, encontrar idosos mortos em casa, entre outras situações absurdas, fazem parte de um cotidiano de favela. Não por sermos mais fortes, mas por força das circunstâncias. A vida na favela é mais frágil, e a morte é uma vizinha mais próxima.
Por isso, a única forma de garantir sobrevivência é por meio da prevenção. Usar máscara, ficar em casa e higienizar mãos são os melhores remédios. Essa vizinha indesejada chamada morte não pode bater à nossa porta. Até porque, quando ela chega, não pede licença, entra e leva o que temos de mais precioso: a vida.