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DIA DO JORNALEIRO

Memórias de um jornaleiro: as histórias de quem carregava as notícias embaixo do braço

Na data em que celebra-se o Dia do Jornaleiro, o Diário Gaúcho conta a história de Vainer Rodrigues Gomes, e seus mais de 40 anos dedicados a vender jornais

30/09/2020 - 06h44min

Atualizada em: 30/09/2020 - 13h05min


Arquivo pessoal / Arquivo pessoal
Vainer começou na profissão ainda adolescente, para ajudar a família

Foi em uma madrugada de 1977 que Vainer Rodrigues Gomes, 55 anos – à época, adolescente –, vendeu seu primeiro jornal. Pelas esquinas da Rua Dom Pedro II, em Porto Alegre, aprendeu todos os macetes da profissão de jornaleiro – que exerceu pelos próximos 20 anos, a partir daquela madrugada do ano de 77.

No início, o emprego era despretensioso: foi a alternativa encontrada por ele, ainda guri, para ajudar os pais no orçamento da família, composta por mais oito irmãos. Mas, com o passar do tempo, a função de estar nas ruas, levando informações a quem estendia o braço pela janela do carro ou o abordava na calçada, além de fonte de renda, acabou virando paixão.

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– Quando comecei a vender jornais, era um gurizão. Fiquei seis meses vendendo só na calçada, de braço esticado, porque tinha medo de andar pelo meio dos carros. Depois, corria pelo meio da rua, descia a lomba correndo, de uma maneira que parecia que estava voando – relembra.

Desde a primeira edição vendida, 43 anos se passaram. A correria por entre os carros já não faz mais parte da rotina do morador de Cachoeirinha – bem como a necessidade de deixar a cidade da Região Metropolitana antes que o dia clareasse, pois, às 4h30min, já deveria estar posicionado no cruzamento entre a Avenida Benjamin Constant e a Rua Dom Pedro II, com a manchete do dia por debaixo do braço. Hoje, ele comanda uma equipe de jornaleiros, atuando como supervisor – mas garante que, mesmo fora das ruas, a tinta do jornal nunca saiu de suas mãos.

Lembranças que deixarão saudade

Nestas quatro décadas envolvido, de uma forma ou de outra, com a função de vender jornais, muitas foram as histórias inusitadas vivenciadas por ele. Entre elas, a mais marcante é a do “cara que atropelou o jornal” – quando, em uma madrugada fria de sábado, um veículo bateu no monte de impressos acumulado na calçada da Dom Pedro II, espalhando notícias para todos os lados da via.

– Estávamos entre uns 50 guris, todos jornaleiros, sentados no meio-fio. Era uma friaca. Quando vimos, veio um Fiat 147 desgovernado e atropelou todo o nosso monte de jornais. Espalhou tudo, ficamos desesperados. Aí, o cara desceu do carro, pegou um cheque em branco, assinou e foi embora. Deixou para pagar o prejuízo, mas pensamos que não ia dar em nada, que o cheque nem fosse ter fundo. E, no fim, acabou rendendo comissão para todos nós – relembra Vainer, aos risos.

Prestes a se aposentar, o ex-jornaleiro emociona-se ao rememorar a trajetória construída. Nas lembranças mais afetuosas, segundo ele, estão as amizades conquistadas:

– Daqui uns dias já estarei entregando o boné. De tudo, a principal lembrança que vai ficar são as amizades. Tenho amigos daquele tempo que permanecem até hoje. Começamos gurizões e crescemos juntos. 

Notícia fresca? Só na esquina!

Além da rotina do ex-jornaleiro, outra mudança foi significativa nessas quatro décadas que marcam a trajetória de Vainer até aqui: a forma de se consumir notícias. Sem a facilidade da internet, que permite o acesso aos acontecimentos em tempo real, o ritmo da circulação de informações era outro, bem mais desacelerado.

– Não se tinha como acessar notícias o tempo todo, as pessoas assistiam o jornal à noite e, para saber das últimas, só no outro dia. Nem existiam as assinaturas e, nas bancas, os jornais só chegavam pelas 8h. Então, notícia fresca, antes das 5h da manhã, era só com a gente, nas esquinas – relembra o ex-jornaleiro, orgulhoso.

E, para vender os jornais, o que não faltavam eram técnicas. Segundo Vainer, primeiro era preciso informar-se dos acontecimentos do dia para, depois, anunciar as manchetes a quem passava pelo local, a fim de despertar interesse. Aí, a tática infalível era uma só: o grito.

– Tinha que ser meio sem religião, sem partido e sem time de futebol, balançando conforme o vento. Eu tinha uma estratégia: se, no domingo, tivesse Gre-Nal, na segunda-feira eu ia vender com a camisa do time que ganhou. E gritava, gritava e gritava – recorda-se.

Dos acontecimentos mais marcantes que sua voz ecoou, destaca o atentado cometido contra o Papa João Paulo II, em maio de 1981. A lembrança vem com um lamento, pois, no ano anterior, Vainer acompanhou a visita do pontífice à capital gaúcha – como não é de se estranhar, vendendo jornais:

– Essa foi uma manchete que me deixou muito triste, porque, havia pouco, o Papa tinha vindo nos visitar. Na visita dele, eu fui para lá (Rótula do Papa) vender jornal. Então, fiquei bem chateado por conta do atentado, mas era notícia, e a gente tinha que gritar.

Profissão é fundamental

Apesar dos avanços tecnológicos, o hábito de ler jornais permanece como um ritual indispensável para muitas pessoas – que não abrem mão, inclusive, de adquirir os impressos diretamente das mãos dos jornaleiros. Esta relação próxima faz com que os profissionais tornem-se figuras conhecidas pela vizinhança das regiões onde atuam – e “complica”, no bom sentido, a vida do ex-jornaleiro, agora atuando como supervisor.

– Se um jornaleiro entra em férias e precisamos colocar outro no lugar dele, o pessoal que compra naquele ponto logo já reclama, sente falta. Essa é a importância da gurizada – relata Vainer, que vê na figura do vendedor uma peça fundamental para a missão de informar:

– O processo de fazer um jornal começa em uma ponta, com o pessoal da reportagem apurando as informações, e só termina com o jornaleiro na rua, distribuindo essas notícias.

Produção: Camila Bengo



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