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Última homenagem

Moradores da Ilha Grande dos Marinheiros e familiares se despedem de professor que atuou por três décadas na Ilha

Cinzas de Hélio Francisco de Vargas, 86 anos, foram lançadas nas margens do Rio Jacuí

14/09/2020 - 09h06min


Aline Custódio
Aline Custódio
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Mateus Bruxel / Agencia RBS
Ao lado do marido e do filho, a pedagoga Juliana, filha de Vargas e Leocaldina, depositou as cinzas do pai no Rio Jacuí

Sob as pontes que cruzam a BR-290, na Ilha Grande dos Marinheiros, no bairro Arquipélago, em Porto Alegre, familiares e ex-alunos do pedagogo Hélio Francisco de Vargas se despediram do mestre na manhã deste domingo (13). Por mais de duas décadas, ele esteve à frente dos trabalhos na primeira escola da região e incentivou a construção da creche e da unidade de saúde da comunidade.

Numa cerimônia conduzida pelo padre Rudimar Dal'Astra, coordenador pastoral das ilhas, as cinzas de Vargas, falecido no mês passado aos 86 anos, foram lançadas nas águas do Rio Jacuí, às margens do local que jamais deixou a memória do professor.

De 1959 a 1972, Vargas foi zelador, professor rural e diretor na primeira escola da ilha, o Grupo Escolar Norte-Leste, conhecido como Colejão. Também na Marinheiros, atuou até 1988 como diretor da Escola Estadual de Ensino Fundamental Alvarenga Peixoto, foi o responsável por erguer a primeira creche da ilha, a Tia Jussara, e mobilizou a comunidade na construção da unidade de saúde existente até hoje ao lado da escola.

Em 2013, GZH contou a história do Colejão a partir das lembranças de Vargas e da esposa dele, Leocaldina, que chegou aos 18 anos à ilha para acompanhar o marido e também acabou se tornando professora e diretora das escolas do bairro Arquipélago, depois de cursar Estudos Sociais.

Vindo da cidade de São Jerônimo, Vargas aceitou o desafio de viver os primeiros três anos sozinho e ilhado na parte norte da ilha, onde só se chegava de barco. Pela ponte sobre o Canal Furado Grande, inaugurada em 1958, era apenas caminhando — mais de seis horas entre ida e volta. 

Uma vez por mês, ele ia a Porto Alegre prestar contas e receber o salário. Um aluno o levava de caíque até o meio do canal Furado Grande, de onde pegava carona numa embarcação que carregava areia e desembarcava no Cais do Porto.

Desbravador, o professor não se importou de morar em quatro pequenas peças, sem energia elétrica e água tratada. O único interesse era atrair a atenção de estudantes, que enfrentavam as águas do Delta do Jacuí para estudarem. Uma das primeiras ações foi criar o Círculo de Pais e Mestres (CPM). Era a forma de se aproximar dos pais. 

Mateus Bruxel / Agencia RBS
Em 2013, a reportagem mostrou o abandono do prédio onde funcionou o Colejão. Ele fica na Ilha Grande dos Marinheiros, a 10 km da ponte sobre o rio Jacuí

Depois, tratou de dar um ar de residência ao terreno da escola, feita no governo de Ildo Meneghetti (na época, a União incentivou escolas em locais de difícil acesso). Para isso, plantou árvores frutíferas, criou hortas, um campinho de futebol, um grupo de oração e, com a ajuda da igreja, começou a fazer a comunhão dos alunos.

Na despedida a Vargas, o porteiro Rudinei Nunes, 44 anos, que ao lado dos quatro irmãos foi aluno do mestre e da professora Leocaldina, fez questão de dizer o quanto os dois foram importantes na sua formação.

Mateus Bruxel / Agencia RBS
Em 2013, Hélio e Leocaldina voltaram ao prédio abandonado do antigo Colejão

— Como diretor, se preocupava quando um aluno não aparecia na aula. Ele ia até a casa da família para saber o que havia ocorrido. Foi uma grande pessoa — comentou.

Também ex-aluno, o pescador Jorge de Castro, 55 anos, passou pelas mãos do casal junto com os oito irmãos na Alvarenga Peixoto.

— O professor Hélio era uma pessoa humilde, sempre prezando pelo correto. E, se precisasse chamar a nossa atenção, ele chamava mesmo. Era como um pai — relembrou.

Entre os mais emocionados estava o ex-porteiro da escola Alvarenga Peixoto, Adelino Saldanha, 75 anos. Com palavras de carinho sobre o mestre de quem disse se sentir como filho, Saldanha arrancou lágrimas dos presentes.

Mateus Bruxel / Agencia RBS
Cerimônia de despedida contou a presente de familiares, ex-alunos e pároco

— Ele nunca precisou levantar a voz a ninguém, sempre ensinou o melhor. Se hoje sou quem sou foi porque ele me ensinou muitas coisas. Se a ilha tem escola e creche deve ao professor Hélio, que lutou até ver as paredes erguidas — resumiu.

Para a filha de Vargas, a pedagoga, educadora física e professora universitária Juliana Vargas, 39 anos, o pai sempre esteve à frente de seu tempo, com ações que hoje são consideradas políticas públicas, como angariar fundos para a melhoria da própria escola.

— Ele organizava bailes, torneios e desfiles para conseguir realizar as benfeitorias nos prédios. Sobre a creche, lembro ainda, muito pequena, dele dizendo que era preciso ter um lugar com alimentação para as crianças onde as mães pudessem deixar seus filhos para trabalhar. A organização da Educação infantil não era a mesma de hoje, mas essa preocupação, que agora é lei, o meu pai já tinha naquela época —revelou Juliana.

Marcelo Oliveira / Agencia RBS
Em julho de 2013, o casal (na ponta da mesa) foi homenageado por ex-alunos da escola Alvarenga Peixoto

Em junho de 2013, motivados pela reportagem de GZH, ex-alunos organizaram uma homenagem ao casal no pátio da atual sede da Alvarenga Peixoto. Casados durante quase 60 anos, os dois viveram no bairro Humaitá até o falecimento dele por falência múltipla de órgãos.

Ao lado da filha Juliana, do neto Gabriel, quatro anos, e do genro, o diretor de escola Mateus de Oliveira, Leocaldina fez questão de estar na homenagem ao marido e agradeceu a presença dos ex-alunos.

— A vida dele era aqui na ilha. Nada mais justo do que trazê-lo de volta — sintetizou.

Depois de deixar as cinzas no Jacuí, a professora Dina, como Leocaldina é carinhosamente chamada na ilha, silenciou em lágrimas enquanto olhava na direção da margem do rio. Em seguida, enxugou o choro e esboçou um leve sorriso. Teve a certeza de que havia deixado Vargas em casa.

Mateus Bruxel / Agencia RBS
Leocaldina (de azul) se despede do marido. Juliana segura as cinzas do pai, antes de depositá-las no rio Jacuí



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