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Papo Reto

Manoel Soares: "Reduzir minha infância a dor e tristeza é ser injusto com Dona Ivanete"

Colunista escreve no Diário Gaúcho aos sábados

28/11/2020 - 05h00min


Lauro Alves / Agencia RBS

Eu cresci onde disseram que nem erva daninha vingava. Filho de becos escuros onde ecoavam gritos de súplica seguidos por disparos e, na manhã seguinte, a "radio-quebrada", em cochichos das tias nos portões de madeira, só trazia o apelido do finado da noite. Sempre pensei que, se pudesse, não deixaria meus filhos passarem por isso. Ver um corpo sem vida alvejado por balas antes de completar cinco anos é uma experiência que nenhuma criança deveria ter. 

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Hoje, 30 anos depois, tenho como objetivo principal dar aos meus filhos o que eles precisam pra viverem a vida com plenitude e responsabilidade. Muitos pais com a mesma origem que eu buscam dar aos filhos tudo que não tiveram. Já pensei assim, hoje, penso diferente. 

Alegrias

A minha vida foi mais tiros nos becos, mas eu também joguei bola na rua, empinei pipa, beijei na boca, nadei em rio, fiz comida com minha mãe, entre outras alegrias. Reduzir minha infância a dor e tristeza é ser injusto com Dona Ivanete, que contrariou a lei da gravidade para fazer de mim quem sou. Quero dar aos meus filhos o que tive também. Nem sempre vou conseguir, mas desejo que tenham experiências lindas como as que tive – e que são maioria em minha vida. 

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Quero que eles tenham o amor que tive a vida toda e a certeza de que berço não é destino. Não vou reduzir minha infância a trauma, senão, vou deixar minhas tristezas como herança. Para não dizer que estou fantasiando, vou dar aos meus filhos algo que a maioria dos homens negros da minha idade não tiveram: um pai.


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