Hospitais no limite
Porto Alegre caminha para esgotar UTIs em janeiro, prevê prefeitura
Atendimentos por coronavírus agora concorrem com outras doenças, enquanto médicos temem explosão de casos após Natal e Ano-Novo
- Prefeitura de Porto Alegre prevê que UTIs se esgotem na segunda semana de janeiro
- Hospitais se aproximam do limite da expansão de vagas por falta de profissionais no mercado
- Cenário difere de anos anteriores, quando lotação ocorria no inverno e em leitos de enfermaria, focados em pacientes menos graves
Com a proximidade das festas de Natal e Ano-Novo, médicos suplicam à população para que use máscaras e se reúna entre poucos. O pedido tem relação com o cenário da pandemia que deve se apresentar na virada para 2021, já que a prefeitura de Porto Alegre prevê que o esgotamento das Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) acontecerá na segunda semana de janeiro, se o ritmo atual de crescimento da contaminação for mantido.
Atualmente, há menos internados com coronavírus do que no inverno, mas outra demanda entrou na equação. Se, meses atrás, hospitais cancelaram cirurgias para abrir espaço a quem tinha covid-19, hoje isso é impossível: não há mais como adiar o atendimento a quem tem câncer ou problemas do coração, por exemplo. Assim, hospitais lidam com “duas ondas”.
Soma-se a isso o constante aumento das internações hospitalares desde a primeira semana de novembro. Nos leitos de enfermagem, que atendem a casos menos graves e são considerados antessalas para as UTIs, a ocupação é a maior desde setembro, como mostra o gráfico a seguir.
Em UTIs, após duas melhoras consecutivas, esta terça-feira (15) voltou a registrar piora na média móvel, com 292,9 pessoas internadas por dia, 3,3% acima do registrado na semana anterior. No pior momento da pandemia, eram 339 pessoas e, no melhor, 208,6 – veja o gráfico a seguir.
Com os dados atuais, a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) consegue prever que, por volta de 11 de janeiro, o sistema hospitalar da capital gaúcha chegará ao teto de atendimento. Seria um cenário “caótico”, diz o secretário municipal da Saúde, Pablo Stürmer, que ressalva que ainda há um caminho a percorrer até o esgotamento total do sistema.
— Quando a gente chega a esse patamar, é porque todos os outros mecanismos de contingência foram acionados — afirma. — Precisaríamos alocar pacientes em salas de recuperação, talvez usar um hospital de trauma, como o Hospital de Pronto-Socorro, para atender covid. Em cenário mais grave, represar pacientes em pronto-atendimentos — acrescenta o secretário, pontuando que a prefeitura está abrindo novos leitos para fazer frente à piora.
Hoje, há cerca de 12 mil casos ativos de coronavírus em Porto Alegre, três vezes mais do que no inverno, acrescenta o matemático Álvaro Krüger Ramos, professor de Matemática Aplicada na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Na prática, “há três vezes mais chances de se contaminar hoje”, alerta.
— A gente está em um período no qual a tendência macro é de crescimento da ocupação das UTIs. Tem fatores que causaram aumento: as aglomerações pelas campanhas eleitorais e pelo descuido maior da população, devido à falsa sensação de normalidade, e o aumento no número de casos ativos — analisa Ramos.
A pressão sobre hospitais não é igual a anos passados: antes, a lotação era apenas durante o inverno e nos leitos de enfermaria, um setor que atende pacientes menos graves e que pode se adaptar para receber novas camas. Agora, a pressão é nas UTIs, onde pacientes ficam em áreas inteiramente isoladas, durante muito tempo e sob os cuidados de profissionais altamente especializados – os intensivistas, que estão em falta no mercado e que atuam à beira da exaustão após meses no front. Em alguns hospitais, profissionais assumem 50 horas-extra por mês.
— Estamos nos mantendo em um patamar elevado em todas as UTIs hospitalares, a maioria delas quase atingindo sua capacidade máxima, tanto covid quanto não covid. Com as festas de fim de ano, isso tende a piorar. Tudo leva a crer que janeiro será um mês difícil, a não ser que as pessoas se comportem melhor nesses últimos 15 dias de dezembro — diz Francisco Paz, diretor-técnico do Grupo Hospitalar Conceição (GHC).
No início da pandemia, a prefeitura de Porto Alegre desenhou uma estratégia de expansão em três fases das vagas de UTI para pacientes com coronavírus. A primeira permitiria abrigar 174 pessoas com covid-19 – o que ocorreu no início de julho. Em seguida, a cidade entrou no segundo nível de expansão, que permite atender 255 pacientes com covid-19 em leitos intensivos. Foi o suficiente por apenas duas semanas de julho.
Depois, Porto Alegre entrou no terceiro e último nível de expansão: um limite de 383 leitos abertos para pacientes em estado muito grave de coronavírus, o que implica fechar vagas para outras doenças e transformar hospitais em grandes “covidários”. No pior momento, em 4 de setembro, Porto Alegre quase atingiu esse teto – tinha 347 internados com covid-19.
Hoje, o sistema opera em estágio intermediário do terceiro nível: nesta quarta-feira (15), havia 297 pacientes com coronavírus internados em UTIs, o maior número desde a terceira semana de setembro. Alguns hospitais, como o Moinhos de Vento e o Clínicas de Porto Alegre, suspenderam atendimentos e cirurgias. A ocupação hospitalar da cidade conseguiu ser freada e atingiu 89,5%, também graças à abertura de novas vagas.
Mas há um limite na expansão: os leitos abertos são ocupados em questão de horas ou dias. Se acabarem as vagas de UTI, pacientes precisarão entrar em uma fila e aguardar, algo classificado como “cenário de guerra” por Thais Butelli, médica intensivista e coordenadora do time de resposta rápida do Hospital de Clínicas.
— Se continuar essa demanda crescente, teremos pessoas com e sem covid no mesmo ambiente, o que gera contaminação em massa e um cenário de guerra. As emergências terão pacientes entubados que deveriam estar na UTI, os pronto-atendimentos lotarão de pacientes entubados que as ambulâncias nem poderão transportar, os postos de saúde terão gente com respirador manual. Urge, imediatamente, uma decisão governamental para exigir mais distanciamento. Sem isolamento, vamos chegar ao colapso na metade de janeiro — diz a médica.
O governo do Estado foi procurado na segunda (14) e nesta terça-feira (15) para comentar o assunto, mas não respondeu até o fechamento desta reportagem. Questionado por GZH se a prefeitura estuda alguma restrição nos próximos dias, o secretário da Saúde de Porto Alegre diz que a decisão não está descartada. A próxima gestão, do prefeito eleito Sebastião Melo (MDB), prometeu não aplicar nenhuma restrição de circulação.
Lotação nos hospitais privados
Nos hospitais privados, que têm menos leitos do que no Sistema Único de Saúde (SUS), a situação está ainda mais complicada – vários operam há dias com 100% de lotação ou a ponto de atingir a capacidade máxima, o que significa negar atendimento a pacientes com convênio, seja para coronavírus ou outra doença.
— Estamos com nível máximo de alerta. Temos uma pressão de covid muito parecida com o pico e, junto, uma demanda de outras doenças. Não mudar o comportamento no fim de ano é arriscar colocar o sistema de saúde em uma situação que pode não dar conta. Não está sobrando recurso — afirma Rafael Cremonese, médico intensivista e diretor-geral do Hospital Mãe de Deus.
O Moinhos de Vento, primeiro a lotar, completou neste fim de semana um mês recebendo apenas pacientes em estado muito grave. A emergência e as UTIs ficam lotadas e a situação não está melhorando, diz Roselaine Pinheiro de Oliveira, chefe do setor de Medicina Intensiva.
— Passamos todo o fim de semana do Moinhos com a CTI 100% lotada e tivemos paciente que teve que ficar na emergência porque não havia leito na CTI. A pessoa que tem plano de saúde acha que obrigatoriamente precisa ter leito. Mas isso é num sistema que está preparado pra receber. Esse vírus não respeita as estações do ano, e não temos médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem para abrir vagas de UTI novas — comenta Roselaine.
A boa notícia é que o esgotamento de leitos pode ser evitado: basta que a população use máscaras ao encontrar pessoas e evite grandes aglomerações (veja alguns cuidados a seguir).
— A aglomeração sem os cuidados espalha o vírus. As pessoas têm que se cuidar — pontua Roselaine.
O que você pode fazer para ter um fim de ano seguro:
Reinfecções existem e podem ocorrer três meses após a primeira contaminação. A ciência ainda não sabe se uma pessoa imune pode transmitir para outra pessoa, apesar de estar protegida. Evite riscos.
No dia a dia:
- Reúna-se em ambientes abertos com amigos e familiares. Evite grandes grupos.
- Use máscaras e mantenha distância ao interagir.
- Lave as mãos antes de colocá-las nos olhos ou na boca.
Para as festas de fim de ano
- Proteja seus pais e seus avós: se possível, combine para que todos os familiares evitem encontros com qualquer pessoa sete dias antes da ceia.
- Reúna-se em espaço aberto. Se não for possível, opte pela maior residência. Não use ar-condicionado. Mantenha janelas e portas abertas.
- A ceia deve ter no máximo seis pessoas reunidas. Divida a família em pequenos núcleos.
- Evite abraços e beijos, não compartilhe talheres. O maior gesto de afeto é proteger a vida de quem você ama.