Atividade com animais
Procura por terapia com cavalos cresce em Porto Alegre em função da pandemia
Terapia com os animais é feita ao ar livre e traz benefícios para o corpo e para a mente
Realizar atividades ao ar livre é como ter um momento de refúgio em meio a tantas restrições necessárias para conter o coronavírus. Uma das práticas que tiveram maior procura durante a pandemia foi a equoterapia: um tipo de terapia realizada com cavalos que ajuda a estimular o desenvolvimento da mente e do corpo.
Essa terapia é utilizada para tratamento de pessoas com diversos tipos de quadros, como, por exemplo, limitações físicas e sequelas causadas por acidente vascular cerebral. Também ajuda a melhorar a qualidade de vida em casos de autismo, paralisia cerebral e muitos outros tipos de necessidades especiais e deficiências por meio da organização corporal, cognitiva e psicológica.
A técnica é usada inclusive pelo Instituto-Geral de Perícias para coletar de forma menos traumática depoimentos de crianças testemunhas de crimes no Rio Grande do Sul.
Com a pandemia, muitos praticantes mais antigos tiveram receio de retornar às atividades. Em contrapartida, a terapia com cavalos, uma alternativa para pessoas com problemas de depressão e ansiedade, passou a ser procurada por famílias em busca de atividades de lazer fora do confinamento em casa e com atendimento individualizado e familiar.
Na Equoterapia Paraíso, em Viamão, o número de praticantes está 10% maior agora do que antes do início da pandemia. O que representa um crescimento de dois a quatro praticantes a cada quinzena. Foi preciso aumentar o número de dias com atendimentos para evitar aglomeração. Segundo a administração do local, apenas os praticantes com problemas respiratórios estão receosos de voltar, já que essa foi a recomendação no início da crise sanitária.
Mas não foi assim durante o ano inteiro. Entre março e maio, durante o período em que ficou fechado, o estabelecimento conseguiu contornar as contas a pagar porque ainda tinha uma reserva financeira e alguns valores a receber dos atendimentos. Além disso, alguns praticantes se dispuseram a continuar fazendo o pagamento das aulas pela preocupação com a alimentação dos animais.
Relaxamento ao ar livre
O local oferece essa forma de terapia desde 2006. Em maio, precisou trocar de endereço e procurar um lugar maior e com mais estrutura devido à necessidade de manter maior distância entre as pessoas durante a prática da atividade.
Fisioterapeuta há mais de 26 anos, Rubens Severo de Souza trabalha com equoterapia há 17, e atua na Paraíso. Ele explica que a terapia com cavalos é indicada para questões de ordem física, psicológica, cognitiva, esportivas e educacionais.
— É muito benéfica, por exemplo, para pessoas que apresentam paralisia cerebral, autismo, síndrome de Down, fobias, depressão, ansiedade, entre outros. Porém, nesse período de pandemia, aumentou a procura da equoterapia como forma de relaxar ao ar livre. É possível fazer tanto de forma individual quanto em grupo, sendo que a segunda opção normalmente é feita com membros da mesma família ou grupos com questões em comum, sejam educacionais, esportivas ou outras. O resultado costuma se mostrar muito rapidamente e eficaz nas duas modalidades — explica Souza.
Para buscar melhora na qualidade de vida, Silvia Regina da Rosa, 64 anos, leva o filho, Matheus Schaeffer dos Santos, 31 anos, para praticar equoterapia uma vez por semana há 20 anos com objetivo de manutenção do bom estado físico, postural e prazer.
Matheus possui uma síndrome rara chamada ausência do corpo caloso, que ocorre quando as fibras nervosas que o compõem não se formam corretamente. O corpo caloso tem como função estabelecer uma conexão entre os hemisférios cerebrais, direito e esquerdo, permitindo a transmissão de informações entre eles.
No início da pandemia, foi preciso parar as aulas, que foram retomadas só em junho. Silvia Regina conta que esse é um estímulo importante para o filho.
— A indicação partiu do médico ortopedista. No caso do Matheus, não há como ter certeza de todos os benefícios, mas é perceptível o bem-estar que causa a ele. E nós estamos abertos a tudo que possa trazer qualquer benefício para o nosso filho. Sabemos que temos que estar sempre estimulando-o, e vemos que sempre temos retorno. E o Matheus também. Ele não fala, não caminha, mas entende tudo muito bem — conta Silvia.
Souza é um dos fisioterapeutas que atende Matheus. E cita que ele é muito querido no local, e que, mesmo não falando, demonstra sua satisfação com a equoterapia.
O trabalho, interdisciplinar, é desenvolvido por profissionais da equitação, fisioterapeutas, psicólogos, fonoaudiólogos, pedagogos, educadores físicos e terapeutas ocupacionais, entre outros. Não há um tempo previsto de duração do tratamento. Mas a frequência recomendada é de uma a duas vezes por semana, com sessões que duram entre 30 e 60 minutos. Segundo Souza, isso depende das características, da tolerância e do objetivo de cada tratamento.
Ele também ressalta que a terapia vai muito além de montar no animal.
— Além de cavalgar, os praticantes têm a oportunidade de arrumar o cavalo, banhar e alimentar. Até soltar o cavalo é uma abordagem terapêutica. Com essas atividades nós fortalecemos e criamos vínculos. Um dos princípios da Equoterapia Paraíso é trabalhar com amor e dedicação. Se não houver afeto e conhecimento técnico, os resultados tendem a ser menos eficientes - diz o fisioterapeuta.
As dificuldades da pandemia
O aumento da procura registrado no local não é a realidade da maioria dos locais como este. Muitos centros que oferecem a equoterapia passam por dificuldades em função da pandemia e podem, até mesmo, nem retornar às suas atividades por causa das dificuldades financeiras. Quem faz essa previsão é a Associação Nacional de Equoterapia (Ande Brasil).
Vera Horne, vice-presidente da entidade, relata que os atendimentos em geral, no país, foram suspensos desde março, e apenas alguns locais voltaram a funcionar no final de julho.
— Houve uma queda bem grande no número de atendimentos. Muitos familiares ficaram com receio de retornar. Outros atendimentos que exigem muita manipulação por parte da equipe também deixaram de ser realizados, priorizando apenas aqueles casos em que os riscos são menores — relata Vera.
Vera também cita que o custo aumentou bastante em função dos gastos com itens de higiene e proteção contra o coronavírus.
Na Cavalo Amigo, centro de equoterapia que funciona há 20 anos dentro da Sociedade Hípica Porto-Alegrense, a situação ficou preocupante entre março e setembro. Conforme o relato de Silvia Scheffer, psicóloga coordenadora do centro, a instituição conseguiu sobreviver sem dispensar funcionários a partir de um remanejamento da equipe.
— Achei que não íamos conseguir. Em setembro, começamos a ver uma luz no final do túnel, pois, com a primavera e o calor, as crianças começaram a retornar aos atendimentos. Foi quando passou a haver mais procura e as coisas se equilibraram. Embora muitos praticantes não tenham voltado, outros que não tinham o hábito de fazer equoterapia nos procuraram pela possibilidade de praticar uma atividade ao a livre — conta a psicóloga.
Relacionamento curativo
A profissional ressalta que a relação que se estabelece com o cavalo é curativa não apenas para pessoas com algum tipo de deficiência.
— A equoterapia não é indicada apenas para alguns adultos ou crianças, mas para todos aqueles que desejam ter melhor qualidade de vida. Os praticantes participam da vida dos cavalos como amigos: alimentam, cuidam, escovam, dão banho. E, por conta dessa relação, a cura vai acontecendo — esclarece Silvia.
As crianças são maioria entre os praticantes na Cavalo Amigo. Para iniciar o tratamento, Silvia explica que o primeiro passo é ter uma indicação do médico. E que a equoterapia é reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina desde 1997 como método eficaz que potencializa as habilidades e reduz as limitações.
— É feita uma avaliação por uma equipe multidisciplinar que conta com vários profissionais, entre eles fisioterapeutas, psicólogos, educadores físicos, psicopedagogas, pedagogas e fonoaudiólogos. São eles que definem o melhor cavalo para essa criança e qual profissional da nossa equipe é o mais adequado para a terapia, porque cada criança tem uma demanda diferente da outra. As sessões geralmente são acompanhadas por dois ou três profissionais no atendimento — diz a psicóloga.
A Cavalo Amigo funciona com atendimentos particulares pagos. Porém, há também o Instituto Cavalo Amigo, que conta com atendimentos gratuitos feitos por meio de parcerias com empresas que fazem doação para custear esse processo. Para esses atendimentos, há uma lista de espera de mais de 300 crianças.
— Essa lista só cresce. Conforme recebemos as doações, vamos chamando as crianças desta lista. É uma pena ser muito demorado, porque é importante que essas crianças recebam atendimento o mais cedo possível para que possamos obter resultados - diz Silvia.
As contraindicações são pequenas, mas existem. Na avaliação é analisada a a condição física, para que o trabalho com o cavalo não acentue algum problema nem prejudique o desenvolvimento do praticante. Não é recomendada a prática para pessoas com espinha bífida, pressão muito alta, que tomem medicações que resultam em tonturas ou que tenham muito medo do animal, já que é primordial prezar pela segurança. Fora essas exceções, qualquer um pode fazer equoterapia.
— Atendemos, por exemplo, algumas pessoas que tiveram derrame e precisavam recuperar a questão motora. A prática é muito resolutiva nesses casos. Aliás, funciona muito bem para todo tipo de sequela motora. E até mesmo para quem quer fazer fisioterapia ao ar livre. As possibilidades são vastas para todas as pessoas e patologias — afirma psicóloga.
A maior preocupação
O Rio Grande do Sul tem 39 centros de equoterapia vinculados à Ande Brasil. Conforme a Associação Gaúcha de Equoterapia (Age), porém, existem ainda muitos centros em processo de regularização, por esta razão, não há como estimar quantos existem no total. Entretanto, Clarissa Candiota, presidente da Age, estima que grande parte sofreu prejuízo nesse período e perderam praticantes, pois muitos pertencem ao grupo se risco e optaram por ficar em casa. O que gera dificuldade.
— Protocolos foram desenvolvidos para segurança e eficácia dos atendimentos, porém, aqueles centros que ainda não conseguiram retomar as atividades continuam alimentando seus cavalos e cumprindo com todas as despesas que um centro de equoterapia demanda — explica Clarissa.
Para mapear aqueles que necessitam de maior apoio, a associação está preparando uma pesquisa que será feita em janeiro e pretende organizar maneiras de angariar recursos, pois esta é a função da Age, além dos cursos ministrados em parceria com a Ande Brasil e da supervisão dos locais.
Silvia, da Cavalo Amigo, ressalta ainda que a alimentação dos animais foi uma das maiores preocupações da instituição durante esse período de pandemia.
— Uma questão que nos afetou bastante foi o aumento nos preços dos insumos. Principalmente em relação à alimentação dos animais. Com a seca que a gente está passando e a dificuldade no plantio, os insumos chegaram a aumentar 110%. Então, isso foi uma grande dificuldade para nós — relata.
Sobre esse assunto, a vice-presidente da Ande, Vera Horne, destaca que os centros de equoterapia precisam muito da ajuda da população.
— Os cavalos da equoterapia precisam comer, independentemente de estarem trabalhando ou não. Os centros precisam ser arrumados e adaptados para receberem os praticantes e as famílias. É preciso material de construção, areia pra picadeiro, entre outras coisas. Além disso, muitos centros precisam pagar os atendimentos dos veterinários. Seria uma ajuda maravilhosa se as pessoas pudessem contribuir com doações de rações e materiais, e se alguns profissionais da área veterinária pudessem ajudar no atendimento dos animais de forma gratuita ou cobrando o mínimo possível durante esse período de dificuldade relacionado à pandemia.
Clarissa completa que a sociedade pode ajudar apoiando financeiramente os centros, ou com trabalhos voluntários.
— Também é possível oferecer caronas aos praticantes, por exemplo, já que muitos têm dificuldade de locomoção e agora com a pandemia, pegar transporte público é caro. Disponibilizar tempo já é uma ajuda. Também é possível participar dos eventos beneficentes que a Age organiza. Este ano não fizemos presencial, mas fizemos várias lives. Em 2021, pretendemos fazer algo pra angariar recursos.
Para quem quiser ajudar algum dos centros de equoterapia do Rio Grande do Sul, e possível entrar em contato com a Ande-Brasil pelo telefone (61) 3468 7092 ou pelo email ande@equoterapia.org.br com Elisângela. Também é possível contatar a Associação Gaúcha de Equoterapia pelo e-mail ageequoterapia@gmail.com.