Índices preocupantes
Duas regiões do RS superam 100% de ocupação em UTIs e médicos alertam para esgotamento
Outro problema enfrentado em alguns municípios tem sido o aumento no uso de leitos clínicos para o atendimento de pacientes, o que pode elevar ainda mais as internações nas unidades para casos graves
O aumento na ocupação das unidades de terapia intensiva (UTIs) por doentes de covid-19 e outros pacientes nos últimos dias deixou muitas regiões do Rio Grande do Sul mais perto do risco de colapso no sistema de atendimento. O aumento da pressão sobre a rede hospitalar de diversos municípios e possíveis medidas capazes de afastar o risco imediato – e, em alguns casos, já real – de superlotação estão mobilizando prefeituras e órgãos de saúde no Estado.
Até a manhã desta quarta-feira (24), duas regiões covid, de Lajeado e de Novo Hamburgo, já haviam ultrapassado os 100% de ocupação de leitos de UTI adulto. O número supera a capacidade máxima, conforme registro do painel da Secretaria Estadual de Saúde (SES), pois há unidades que ainda não foram cadastradas no sistema. Ou seja, foram abertos novos leitos, ainda não contabilizados pelo governo. Outras quatro regiões (Cachoeira do Sul, Canoas, Capão da Canoa e Santa Cruz do Sul) superaram os 90% de ocupação e estão na iminência de também superlotar.
O médico epidemiologista Ricardo Kuchenbecker, gerente de risco do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, alerta que, quando as taxas de ocupação ultrapassam os 85%, todo o sistema começa a ter uma dificuldade maior de oferecer respostas imediatas para a saúde de quem mais precisa.
— A taxa média de ocupação no Rio Grande do Sul é superior a 87%, o que traz a preocupação adicional de que em algumas regiões do Estado, como Serra e Região Metropolitana, pratiquem taxas de ocupação de 100%. Essa preocupação precisa ser um alerta para todos — garante Kuchenbecker.
Também é importante levar em conta, explica o médico, que os recursos não podem ser mantidos da melhor maneira em tempo integral em função da escassez de profissionais de saúde, diante de mais de um ano lidando com as consequências sanitárias do coronavírus. Isto é, a própria capacidade dos profissionais de trabalhar em ritmo tão intenso tem sido prejudicada.
Com o aumento de internações e considerando a confirmação da presença de uma nova variante do coronavírus em Gramado, a prefeitura de Novo Hamburgo, que registra 107% de ocupação em leitos de UTI adulto, faz um apelo:
— Pedimos que as pessoas sigam rigorosamente as recomendações amplamente debatidas, pois nossa estrutura é finita — pede o secretário de Saúde do município, Naasom Luciano.
No Vale do Taquari, todos os 65 leitos de UTI para covid-19 distribuídos em quatro cidades estão ocupados. É a primeira vez que isso acontece desde o início da pandemia. O Hospital Bruno Born, de Lajeado, divulgou um vídeo sobre a situação de ocupação de leitos e apresentou um plano de contingência para a situação de calamidade.
— Nos últimos dias, nas últimas semanas, o nosso atendimento cresceu em 200%. A nossa internação clínica, em 220%. É o momento mais crítico que o hospital vem passando — alerta Cristiano Dickel, diretor-executivo do hospital.
Já a prefeitura de Lajeado, além de um novo decreto publicado na terça-feira (23), divulgou medidas complementares para tentar frear a contaminação. Entre elas está a intensificação do monitoramento de casos ativos na cidade, para conferir se as pessoas com o vírus estão cumprindo o isolamento.
Alta na ocupação de leitos clínicos preocupa
Além da lotação das UTIs, que não para de subir no Rio Grande do Sul, outra preocupação dos hospitais é o aumento da ocupação de leitos clínicos. Para especialistas, isso pode indicar uma sobrecarga ainda maior das UTIs, que já estão no limite em muitas regiões do Estado. Na manhã desta quarta, havia 2.327 pacientes internados com covid-19 e 709 com suspeita da doença em leitos clínicos no Estado: um aumento de 40% na comparação com a quarta-feira da semana passada (17).
— Especialmente nesta pandemia, em que muitos pacientes que chegam até com sintomas leves acabam evoluindo para cuidados que necessitam de tratamento intensivo, isso é preocupante — explica o diretor médico da Santa Casa de Porto Alegre, Antônio Kalil.
Os profissionais da saúde explicam que as UTIs são as unidades mais cruciais no tratamento dos casos graves, mas setores de emergência e leitos clínicos também necessitam de atenção: quando há sobrecarga nessas áreas, o reflexo é sentido nas UTIs. Uma das primeiras medidas adotadas por hospitais em situações como essa é restringir o atendimento para contemplar apenas os casos mais graves.
— O hospital só restringe o atendimento quando não tem condições de atender os que estão dentro nem de continuar recebendo pacientes — diz o diretor-presidente do Grupo Hospitalar Conceição (GHC), Cláudio Oliveira.
Nos hospitais, depois do atendimento na emergência, o paciente pode ser internado em um leito clínico. Se evoluir para um caso mais grave, tende a ser encaminhado para a UTI. Ou seja, quanto maior o número de internados em leitos clínicos, maior é o temor de superlotação das UTIs.
Com isso, aumenta a chance de um paciente precisar de UTI por conta da agressividade da doença, somando aos que já estão sendo atendidos nessas unidades. O resultado é a superlotação.
— Uma unidade de internação lotada é sinal de que a médio prazo, até a curto prazo, nós vamos ter um aumento na ocupação de UTIs — informa Kalil.
Para evitar esse efeito cascata, os especialistas alertam que é preciso tomar muito cuidado também fora dos hospitais para barrar o avanço da doença: somente limitando a contaminação será possível diminuir os índices de lotação dos hospitais no Estado.