Reflexo da pandemia
Central de Atendimento Funerário registra picos de liberação de corpos em Porto Alegre
Em média, são 80 documentos emitidos por dia, acima do padrão pré-pandemia, entre 50 e 60
Primeira parada das famílias que perdem seus entes queridos antes da liberação do corpo, a Central de Atendimento Funerário (CAF) de Porto Alegre, no bairro Santana, tem visto o movimento crescer com o agravamento da pandemia de coronavírus. Desde 22 de fevereiro, a média de liberações está em 90 por dia, bem acima do período pré-pandemia, quando o número ficava entre 50 e 60.
Dois dias registraram mais de cem corpos em 24 horas. O primeiro pico foi em 26 de fevereiro, 10 dias depois do Carnaval, quando foram emitidos 105 documentos. Na segunda-feira (1º), foram 101 liberações.
— Durante a pandemia, a gente tem tido uma média de 80 liberações por dia. É uma procura expressiva. Aumentou entre julho e agosto, e agora de novo. Acredito que tem relação com o agravamento — diz a gerente-geral do CAF, Isis Fontoura.
Embora não façam registro da causa das mortes, Isis avalia que há mais casos relacionados à covid. Isso porque, segundo ela, pessoas que perdem parentes para a doença costumam mostrar dúvidas sobre o velório ou simplesmente lamentar pela impossibilidade realizá-lo.
O coronavírus também impactou no modelo de atendimento da central. Desde abril do ano passado, uma tenda do lado de fora faz as vezes de sala de espera para os familiares que chegam ao local. O atendimento é limitado a duas pessoas por vez, em geral um representante da família e um agente funerário.
Somente até as 9h30min desta quarta-feira, 19 famílias já tinham comparecido ao serviço para encaminhar a Guia de Autorização para Liberação e Sepultamento de Corpos (Galsc). Das quatro pessoas ouvidas pela reportagem, todas tinham perdido parentes para a covid-19. Com internações ocorridas antes do esgotamento de leitos, nenhuma enfrentou problemas para acessar o sistema de saúde.
Depois de semanas no hospital tratando de uma tuberculose, seguida de pneumonia, a mãe de Lidiane Buchoski estava prestes a deixar a Santa Casa de Misericórdia quando foi diagnosticada com coronavírus. Com a saúde debilitada após a longa internação, morreu três dias depois da alta, ainda no hospital.
— Ela estava muito fraca, pesando 32 quilos, então imaginei que isso pudesse acontecer. Muita gente não acredita no coronavírus, mas eu acredito bastante. Mas ninguém espera que uma mãe ou um pai faleça assim — diz.
Já a irmã de Magda Cristina Fagundes, Maria Suzete Fagundes contraiu o vírus ao visitar o marido, internado no Hospital Conceição em razão de um AVC. Transplantada de um rim, viu seu quadro agravar-se rapidamente. Morreu na terça-feira, apenas 10 dias após ser internada.
— A gente falou para ela não ir, mas era uma pessoa teimosa. Sabia da vulnerabilidade e estava se cuidando... A gente imagina que isso possa acontecer, mas não quer aceitar. Sempre acha que no fim a pessoa vai reagir — lamenta.
Na família de Fabiana Antunes Coutinho, a doença teve um efeito cascata. A sogra, que faleceu durante a madrugada, foi a primeira a contrair o vírus, enquanto estava internada no Hospital de Clínicas em razão de um AVC sofrido no início de fevereiro. Acompanhante da mãe, o marido de Fabiana começou a manifestar sintomas no domingo anterior ao Carnaval. Nos dias seguintes, ela e a filha de 10 anos testaram positivo para a doença.
— Meu esposo está na UTI e agora estamos rezando por ele. A gente acompanha tudo sobre a doença, mas nunca imaginei que foi abater assim como abateu lá em casa — diz Fabiana.
Para Luciano Silva, a contaminação da sobrinha Andressa Santos, de apenas 25 anos, é uma incógnita. Como tinha uma atrofia pulmonar, a jovem praticamente não saía de casa desde o começo da pandemia. Foi a única da família a se contaminar, e morreu durante a madrugada, no Hospital Ernesto Dornelles.
— A gente não sabe o que aconteceu. Ela estava se resguardando. Graças a Deus conseguiu vaga na UTI, mas, com a deficiência, fica difícil — conta.
O aumento no número de mortes em Porto Alegre também se reflete nos dados da prefeitura. Segundo a Comissão Municipal de Serviços Funerários, os enterros saltaram de 822, em fevereiro do ano passado, para 1.143 no mesmo período de 2021.
Fevereiro foi o mês com maior número de sepultamentos desde agosto, até então o pior da pandemia, do ano passado, quando foram registrados 1.269. Considerando que o mês passado teve três dias a menos, os dois períodos registraram a mesma média de enterros diários: 41.