Dia Internacional da Mulher
Conheça mulheres que impactam suas comunidades com ações voluntárias
Mesmo durante a pandemia, mulheres conhecidas por lutas em suas comunidades seguiram trabalhando em ações importantes
Com a pandemia, as mulheres foram afetadas em cheio, principalmente, as que dependiam de trabalhos domésticos ou são chefes de família. Sem creches e escolas, e com o isolamento social reduzindo a demanda por trabalhos, ficou difícil enfrentar os dias. Em várias comunidades, personalidades conhecidas por seu envolvimento com ações importantes também se viram cerceadas pelos desafios impostos pelo coronavírus.
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Mas, apesar de o começo ter sido para adaptação, elas não deixaram de enfrentar e derrubar barreiras, como já faziam antes. Neste Dia Internacional da Mulher, o Diário Gaúcho traz histórias de quem, mesmo durante a pandemia, seguiu dando exemplo e lutando por causas, muitas vezes, esquecidas.
Na Vila Elizabeth, no bairro Sarandi, em Porto Alegre, a dona de casa Roselaine Modesto de Pádua, 47 anos, estava acostumada a lidar com demandas relacionadas à área da saúde. Integrante voluntária do Conselho Municipal de Saúde (CMS), ela é conselheira distrital da Unidade Básica de Saúde (UBS) que atende os moradores da Elizabeth.
Com a pandemia, a importância da unidade para os contemplados pelo atendimento naquela região tornou-se ainda maior. Mas, o papel de luta de Roselaine ainda foi colocado mais à prova. No início de dezembro, uma decisão da prefeitura fechou quatro postos de saúde da Capital, incluindo o da Vila Elizabeth. A alegação era de que os locais não teriam condições estruturais de manter as atividades, exceto o da comunidade da Zona Norte, que seria convertido em um centro de atendimento psicossocial.
Encaminhados para outras unidades, os moradores se viram diante de cenas que já não eram mais tão comuns, como filas para conseguir uma ficha e consultar nos locais. Mas a situação não ficou assim.
Luta por posto de saúde
Um dos orgulhos de Roselaine é o curso técnico em Administração Hospitalar que ela conseguiu concluir. O conhecimento na área lhe conduziu ao envolvimento com CMS na comunidade onde vive. Além, também, da luta por causas animais, motivo pelo qual é lembrada na Vila Elizabeth. Protetora voluntária, só em sua casa, tem como animais de estimação sete cachorros e quatro gatos. Além dos que consegue manter em lares temporários, resgatados das ruas e mantidos com doações angariadas de porta a porta.
As atividades concomitantes lhe tornaram uma voz ativa no processo de reabertura da UBS fechada pela prefeitura.
— Conseguimos até um carro de som para informar aos moradores da situação. Isso ajudou a mobilizar mais gente para protestos. Nos unimos com outras comunidades afetadas pelos fechamentos e fomos até a prefeitura exigir a reabertura — recorda Roselaine.
Ainda em dezembro do ano passado, diante da mobilização de moradores das regiões afetadas, a Justiça determinou que a prefeitura reabrisse as UBS fechadas. A unidade da Vila Elizabeth foi a primeira e, até o momento, a única que já voltou a atender aos moradores de sua região. Peça extremamente importante durante o enfrentamento da pandemia, pontos da rede básica são essenciais para locais periféricos da Capital.
Hoje, Rose conta que alguns moradores ainda agradecem pela mobilização no final do ano passado. Mãe de um jovem autista, Andrews Luís de Pádua Dias, 24 anos — que acabou perdendo o emprego durante o pandemia —, que dependia também do atendimento no local, além dela própria, Rose mantém os pés no chão:
— Minha mãe me criou aqui, sempre envolvida em lutas da comunidade. Brinco que é algo que está no sangue. Mas, não acho que fizemos algo espetacular, acho que lutamos pelo que era direito nosso, de todos moradores, termos o nosso posto de saúde funcionando.
Acolhimento para outras mulheres
Na Restinga, o trabalho de Maria Guarneci Marques de Ávila, 63 anos, também foi afetado pela pandemia. Liderança comunitária extremamente conhecida no bairro da Zona Sul, ela participou de lutas importantes como a que trouxe para região o Instituto Federal, que tem um campus na Tinga há 10 anos.
Além disso, Maria é integrante da primeira turma formada na região de promotoras legais populares, na metade dos anos 1990. A iniciativa é promovida pelo grupo Themis — Gênero, Justiça e Direitos Humanos, que mantém iniciativas de auxílio e conscientização para mulheres. Antes da pandemia, o trabalho era feito em pontos físicos da cidade, chamados de Serviço de Informação à Mulher (SIM). Os locais, contudo, precisaram ser fechados e a ação passou a ser feita de casa.
Como promotora legal popular, Maria atende e acolhe mulheres, principalmente, em situação de violência doméstica. Agora, o atendimento é feito por telefone. Entre os trabalhos, estão orientação jurídicas, auxílio em renovações de medidas protetivas, dúvidas relacionadas ao pagamento de pensão alimentícia, entre outros. Durante a pandemia, Maria pontua uma importante ação que o grupo promoveu. Mulheres que ficaram sem renda, inclusive outras promotoras legais populares, são auxiliadas com cesta básica e uma recarga de celular.
— É um momento em que muitos serviços públicos estão atendendo apenas online. Essas chefes de família que, em alguns casos, não estão conseguindo nem colocar comida na mesa, não teriam condições de se comunicar também. Meu trabalho é esse, é poder ouvir essa mulher, fazer essa escuta, fazer ela sentir que tem alguém que compreende ela do outro lado da linha — pontua Maria.
Sem parar as obras
Em funcionamento desde 2006, a Organização Não-Governamental (ONG) Mulher em Construção, forma mulheres para trabalhar na área da construção civil. Com a pandemia, os cursos precisam ser interrompidos. Mas, a fundadora do movimento, Maria Beatriz Kern, 62 anos, não deixou de receber pedidos de quem fazia parte de iniciativa.
Diante da alta demanda e de situações complicadas entre as chefes de família afetadas, Bia, como é conhecida, conseguiu movimentar o grupo e angariar doações para auxiliar 450 mulheres. O Apoie uma Chefe de Família distribuiu vouchers com valores entre R$ 110 e R$ 200, durante o segundo semestre do ano passado. A iniciativa contou com apoio de grandes empresas a até da ex-modelo Gisele Bündchen.
— Escolhemos mulheres que realmente precisavam. E elas foram justas, quando alguma conseguia se reinserir no mercado de trabalho, nos procurava para que o auxílio dela começasse a ser direcionado para outra que estivesse precisando — recorda Bia.
Entretanto, a pandemia ainda não cessou. Por isso, Bia e as integrantes da Mulher em Construção trabalham em novas iniciativas. O pontapé do primeiro projeto de 2021 será dado hoje. Batizado de Divas na Construção Civil, uma homenagem à mãe de Bia, Diva Lorthi, que faleceu no ano passado, aos 94 anos. A ação vai reunir grupos de até quatro mulheres que vão reformar casas de alunas que precisam de auxílio. A ideia é conciliar o aprendizado, a reinserção no mercado de trabalho e ainda uma nova casa para uma chefe de família.
O primeiro espaço contemplado será em Novo Hamburgo, de uma ex-aluna da ONG. Entre as atividades executadas pelas mulheres construtoras, estão a colocação de pisos e telhados, pintura, hidráulica, carpintaria e alvenaria. Além disso, camisetas alusivas ao projeto serão comercializadas e terão sua renda totalmente revertida ao auxílio destas famílias.
— A construção civil é uma área com muita demanda, ficamos muito felizes por ter uma taxa altíssima de colocação destas alunas no mercado de trabalho — comemora Bia.
A Kombi parou, o trabalho não
Há 37 anos, de forma ininterrupta, Inajara Maria Lafourcade, 65 anos, cruzava Porto Alegre em uma Kombi para levar crianças com paralisia cerebral até o Centro de Reabilitação de Porto Alegre (Cerepal). Do bairro Vila Nova, na Zona Sul, até o Passo D'Areia, na Zona Norte, ela conduzia as crianças diagnosticadas com lesões cerebrais até a entidade que é referência neste tipo de atendimento. A motivação principal de Inajara é a filha Janaína, 45 anos. Foi ela que motivou o início da luta da moradora da Zona Sul por um método de transporte para as crianças, que precisavam fazer o caminho de ônibus.
— Levava minha filha no colo, não tínhamos nada perto de veículos acessíveis como os de hoje — recorda ela.
Com a pandemia, as aulas no Cerepal, que funciona também como escola de Ensino Fundamental para as crianças especiais, se transformaram em atividades online. Por isso, as viagens reduziram de frequência. São mantidos os chamados atendimentos de reabilitação física e intelectual, que incluem fisioterapia, fonoaudiologia, psicologia, terapia ocupacional, entre outras especialidades. Os pacientes são encaminhados através de convênios do Cerepal com o SUS e as secretarias de educação do município e do Estado, além da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc).
Mas, o envolvimento de Inajara com a causa não diminuiu pela pandemia, pelo contrário, o local, que é mantido por uma associação de pais, elegeu ela para presidir a instituição durante este e o próximo ano.
— Minha história é meu sentimento. Quando a gente vai ter filho, não imagina ter um filho especial. O Cerepal foi esse lugar onde encontrei todo apoio. Onde aprendi o que era ter uma criança com deficiência. E tirar o melhor de tudo isso, que é o amor. Tudo que se faz com amor, fica mais fácil. O amor supera qualquer coisa. O Cerepal é meu segundo lar, onde temos mais pessoas com a nossa mesma realidade, onde trocamos amizades, experiências. É onde eu aprendi a lidar com a coisa mais especial da minha vida, que é minha filha. Foi ela que me deu oportunidade de poder fazer tantas coisas, como gerir uma instituição deste tamanho. Ela me ensinou muito mais coisas do que eu ensinei ela — relata Inajara.
Conheça e ajude
/// Todas instituições citadas nesta reportagem podem ser auxiliadas.
/// Conheça a auxilie a Themis.
/// Acesse a página da ONG Mulher em Construção.
/// Veja informações sobre como doar no site do Cerepal.