Efeito das restrições
Diminui pressão das internações por covid-19 em leitos clínicos no RS, mas especialistas mantêm alerta
Recuo é atribuído a medidas mais rígidas adotadas no período de bandeira preta no Estado, que ainda enfrenta UTIs lotadas e alto número de mortes
As semanas de restrições mais duras impostas pela adoção da bandeira preta do sistema de distanciamento controlado no Rio Grande do Sul, sem as flexibilizações permitidas pela cogestão, retomada agora, apresentam os primeiros efeitos positivos.
Nos sete últimos dias até esta terça-feira (23), o número de pacientes internados em leitos clínicos teve uma leve tendência de declínio depois de disparar no começo de fevereiro. Até as 14h, a quantidade de doentes era 8% inferior a uma semana antes, e a média móvel semanal caiu 4% em comparação ao período anterior. Especialistas ponderam que a variação é pequena, ainda não desafogou unidades de terapia intensiva (UTIs) e pode ser revertida por reaberturas parciais permitidas pela volta do sistema de cogestão.
Os números do Comitê de Dados do Piratini apontam que, duas semanas atrás, a quantidade de pacientes em leitos clínicos havia crescido 38% ao longo de sete dias. Na semana passada, essa cifra recuou para 6,7% e, na tarde desta terça, estava em –8% às 17h45min desta terça-feira (23). A variação foi de 5,3 mil internados com diagnóstico confirmado para 4,9 mil nos últimos sete dias.
— A mobilidade começou a cair a partir de 27 de fevereiro no Estado, e passamos a ver uma desaceleração nas internações a partir de 14, 15 de março. No caso das UTIs, foi por esgotamento do sistema e não ter mais onde colocar doentes. No caso dos leitos clínicos, é uma desaceleração real, mas ainda muito incipiente — analisa o cientista de dados e coordenador da Rede Análise Covid-19 Isaac Schrarstzhaupt.
O especialista afirma que a progressão da doença no Estado vai depender do comportamento da população e de seus níveis de mobilidade. Se o contágio pela covid for freado, seria possível formar um pico e ver uma melhora mais rápida. Se essa frenagem for tímida, poderá se formar um novo platô com a permanência de uma quantidade elevada de casos e internações ou, na pior das hipóteses, ocorrer novos repiques.
Para o epidemiologista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Paulo Petry, esses primeiros sinais de desaceleração são um indício de que as medidas mais duras de restrição adotadas durante a bandeira preta funcionaram — e por isso deveriam ser mantidas por mais tempo. A cogestão permite a adoção de regras mais brandas da bandeira vermelha, sob determinadas regras sanitárias.
— É uma variação ainda discreta (nas hospitalizações). O ganho seria muito maior se as normas da bandeira preta permanecessem por mais tempo. Ainda há fila de espera nas UTIs — observa Petry.
A ocupação geral das alas intensivas no Estado estava em 106% à tarde. O epidemiologista do Hospital de Clínicas Ricardo Kuchenbecker lembra que o ideal é esse número ficar abaixo de 85%. Por isso, não basta um pequeno alívio para retomar alguma tranquilidade.
— Quando a ocupação está acima de 85%, alguém vai esperar mais tempo do que deveria em algum lugar para conseguir vaga. É como entrar em uma sala de cinema em que há poucas cadeiras disponíveis. Você leva mais tempo para chegar até ela — compara Kuchenbecker, fazendo uma analogia com pacientes em pronto-atendimentos ou que necessitam de transferência entre hospitais.
O governo gaúcho argumenta que as novas regras preveem normas sanitárias mais rígidas mesmo pelo sistema de cogestão, e que as ações adotadas nas últimas semanas reduziram o ritmo de contágio do coronavírus.
RS teve maior número de mortes por população em sete dias no país
O epidemiologista Ricardo Kuchenbecker avalia que é preciso aguardar mais tempo para se falar em tendência de desaceleração da pandemia em solo gaúcho. A comparação com outros lugares do país ainda revela um cenário bastante desfavorável.
O Rio Grande do Sul figura entre os Estados com os piores índices de óbitos por população e de taxa diária de crescimento de novos casos ao longo dos últimos sete dias no Brasil.
Na segunda-feira (22), conforme reportagem publicada em GZH, os gaúchos apareciam com a maior taxa diária de crescimento da pandemia e com o segundo índice mais alto de morte por 100 mil habitantes ao longo dos sete dias anteriores (atrás apenas de Rondônia).
Nesta terça, a situação mudou pouco: o Rio Grande do Sul superou Rondônia e passou a figurar com o maior número acumulado de mortes na semana proporcionalmente à população, com 18 vítimas por 100 mil habitantes, e na segunda colocação da média diária de novos casos em sete dias, com 0,9% — atrás apenas do Ceará, com 1,1%.
Como essas comparações são feitas com dados de curto prazo, a posição no ranking nacional pode variar de um dia para o outro.
— A pandemia ainda está em linha ascendente no Estado — alerta Kuchenbecker.