Ensino na pandemia
Especialistas avaliam se governo do Estado descumpre ou não decisão judicial sobre volta às aulas presenciais
Piratini publicou decreto que libera o retorno, mas há uma liminar na Justiça que impede a retomada
O governo do Estado anunciou nesta sexta-feira (23) a liberação da retomada das aulas presenciais a partir de segunda-feira (26). Um novo decreto foi publicado, incluindo a Educação Infantil e o 1o e 2o anos do Ensino Fundamental na chamada cogestão, que permite a flexibilização de atividades pelas associações regionais de municípios para a bandeira imediatamente anterior. Como o Estado está todo em bandeira preta, os municípios podem adotar regras da bandeira vermelha. E, nas regras da bandeira vermelha, com a atual mudança, alunos dessas séries podem voltar às aulas presenciais.
No entanto, existe uma liminar concedida pela 1a Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre que impede a volta às aulas presenciais no Estado. Ela foi concedida a pedido da Associação Mães e Pais pela Democracia em 28 de fevereiro e confirmada pela mesma vara em 12 de abril. Nesse meio tempo, um Agravo de Instrumento para tentar derrubar a decisão de primeira instância foi movido junto ao Tribunal de Justiça do Estado. Mas não foi acatado pelo relator, desembargador da 4a Câmara Civil Antonio Vinicius Amaro da Silveira, mantendo as aulas suspensas. Esse agravo está sendo julgado em sessão virtual pelo colegiado, com término previsto para quarta-feira (28).
Mas, afinal, com o decreto, o Estado está ou não descumprindo a liminar que determinou a suspensão das aulas presenciais? GZH foi ouvir especialistas sobre essa discussão jurídica.
Doutor em Direito e professor de Direito Administrativo da Universidade Federal do RS (UFRGS), Rafael Maffini entende que não há descumprimento.
— Não está descumprindo a liminar porque ela estava embasada num arcabouço normativo e em circunstâncias fáticas que foram alterados com o novo decreto — sustenta Maffini.
Para o professor, cabe ao Estado efetuar as mudanças de bandeiras e regramentos sobre o que pode ou não funcionar durante a pandemia.
— O sistema do distanciamento controlado surgiu no início do ano passado. O que ocorreu no curso do tempo? Por várias razões, se estabeleceu que a cada semana, se determina quais são as bandeiras e quais são as medidas segmentadas que valem para cada uma delas — destaca o advogado.
Maffini ressalta que esse decreto não está em discussão judicial neste momento:
— O Estado, mais recentemente, adota alternativas cuja legalidade será testada. Muito provável que será objeto de discussão judicial. Mas ainda não está.
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O advogado cita que diversas atividades também já tiveram modificações de seus regramentos ao longo do distanciamento controlado e do sistema de cogestão.
— A cogestão não é um "liberou geral". Os municípios que não conseguirem se enquadrar nos protocolos não poderão retomar as aulas — destaca Maffini.
No entendimento dele, a se confirmar que se torna outro quadro fático jurídico, "perde-se o objeto da ação e, portanto, caem a liminar e os agravos".
Professor da Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP) e doutorando pela Universidade de Lisboa em Direito Constitucional — com foco nos direitos fundamentais —, o promotor de Justiça André de Azevedo Coelho também acredita que não há descumprimento da liminar na medida do governo do Estado.
— Temos mudança na realidade fática. Os casos que justificavam mais restrições agora exigem menos restrições. A partir do fato novo, houve uma situação jurídica nova. Essa determinação (do que pode ser liberado) é de critério do Estado, e não do Judiciário — sustenta o professor.
Coelho frisa que, se os protocolos são de bandeira vermelha e a educação para séries iniciais estão permitidas nesse regramento, portanto, "não há violação da liminar".
— Isso exigiria uma nova ação judicial — complementa o promotor.
Mas, no entendimento de Coelho, a discussão sobre o sistema de bandeiras e cogestão deve servir como pano de fundo para uma questão principal, que são os direitos fundamentais.
— O Estado, como um todo, não pode afetar direitos fundamentais de forma desproporcional. Quando afeta o direito à educação, a medida tem que ser indispensável. Há uma violação ao direito fundamental à educação, que é essencial para o desenvolvimento das crianças. A discussão é constitucional. A restrição à educação não pode vir com arbítrio do Estado — defende o professor.
Já o doutor em Direito e professor universitário João Paulo Forster tem entendimento contrário. Para ele, o Estado está, sim, descumprindo decisão judicial ao liberar as aulas, mesmo com um novo decreto.
— Porque a decisão judicial está bastante clara. Ela diz que enquanto o Estado estiver em bandeira preta, as aulas presenciais não podem ser retomadas. Enquanto o Estado não for para a vermelha, não muda — sustenta Forster.
Para o advogado, "o que o Estado está fazendo é uma interpretação extensiva com o que consta na decisão (que proíbe a volta às aulas)".
— Podemos até discordar da decisão, e eu discordo, mas a questão é esta. Está descumprindo? Está. Porque seguimos na bandeira preta — pondera.
Para Forster, seria mais seguro, juridicamente falando, se o Estado fosse direto para a bandeira vermelha. Neste caso, não haveria descumprimento da liminar, no entendimento dele.