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Lenta imunização

Abaixo da meta, vacinação contra covid-19 em grupos prioritários do RS preocupa Estado, prefeituras e especialistas

Até agora, 67% das pessoas dessas faixas preferenciais receberam a primeira dose e 30,5%, a segunda; objetivo é fazer as duas aplicações em 90%

11/06/2021 - 08h54min


Marcel Hartmann
Marcel Hartmann
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Antonio Valiente / Agencia RBS
Governo do Estado quer alcançar 70% de toda a população imunizada

Apesar de o Rio Grande do Sul liderar nacionalmente a campanha de vacinação contra a covid-19 e de a oferta de imunizantes ter começado há quase cinco meses, a adesão nos grupos prioritários ainda está abaixo da meta, o que vem preocupando governo do Estado, secretários municipais e especialistas da saúde.

Como cerca de 20% dos gaúchos tem menos de 18 anos e não pode, ainda, vacinar-se, o governo do Estado projeta que, para alcançar 70% de toda a população imunizada, cada grupo prioritário precisa atingir 90% de cobertura vacinal com duas doses.

No entanto, até a manhã desta quinta-feira (10), apenas 67% dos 5,2 milhões gaúchos dos grupos prioritários haviam recebido a primeira dose e 30,5%, a segunda – longe do necessário para alcançar a imunidade coletiva. Os dados são da Secretaria Estadual da Saúde (SES).

Há enorme adesão às vacinas por profissionais da saúde, idosos em asilos, indígenas e professores. Aos trabalhadores da educação, a imunização chegou há poucos dias. No entanto, há entraves para imunizar outros grupos prioritários – apenas duas faixas superam os 90% de cobertura vacinal com a segunda dose.

A maior preocupação de gestores é com a adesão dos adultos com comorbidades, que não chega a 60% na primeira dose, embora a oferta tenha começado no início de maio. Apenas 1,4% tomou a segunda, mas há de se levar em conta que alguns imunizantes têm intervalo de três meses entre as aplicações. A cobertura vacinal com a primeira dose em pessoas com deficiência permanente grave, quilombolas e Forças Armadas é inferior a 20%.

Nem mesmo idosos têm atingido o objetivo. Segundo o governo do Estado, 90% das pessoas a partir 65 anos já poderiam ter recebido a primeira dose, o que não ocorreu. Da mesma forma, 90% das pessoas a partir dos 70 já deveriam ter a segunda dose, mas nenhuma faixa etária alcançou esse patamar. Nota-se que a adesão à segunda aplicação por pessoas acima dos 80 anos é menor do que por idosos de faixas etárias abaixo.

Os principais entraves apontados são a dificuldade em obter atestado médico para comprovar comorbidade, a complexidade da campanha fracionada, o atraso na segunda dose e a desinformação e os boatos sobre vacinação nas redes sociais.

Aumento de doses, incentivos e busca ativa incrementariam adesão

A dificuldade de vacinar a população com comorbidades é percebida em todo o Brasil, o que levou prefeituras e Estados a solicitarem ao governo federal a liberação para avançar até os brasileiros com menos de 60 anos, fora dos grupos prioritários, sublinha Maicon Lemos, presidente do Conselho dos Secretários Municipais de Saúde do Rio Grande do Sul (Cosems-RS). Nesse nicho da população, ele diz que a adesão é boa:

— As comorbidades no país, de forma geral, não atenderam às expectativas do Ministério da Saúde. Logo, a alternativa de vacinar em massa por faixa etária foi um encaminhamento no sentido de atender rapidamente a um dos grupos com maior letalidade pela covid: a população acima de 50 anos (e abaixo dos 60). Entendo que, se investirmos em vacinação por faixa etária sem interrupções na entrega de vacinas, teremos êxito maior.

Ao mesmo tempo, o presidente do Cosems-RS sugere reforçar campanhas de conscientização sobre a importância da vacina e discutir formas de atrair a população, em vez de apenas aguardar a ida ao posto de saúde.

No Reino Unido, moradores recebem pelo celular um aviso de que podem buscar o imunizante. Nos Estados Unidos, governos e empresários tentam atrair as pessoas com cerveja, dinheiro e até assinatura premium de aplicativos de paquera.  

— Sem dúvida, é interessante o desenvolvimento de alguma estratégia semelhante ao modelo aplicado em outros países para adesão à vacina. Uma vacina só não imuniza. É preciso fazer busca ativa, por meio de agentes de saúde — acrescenta Lemos, destacando que prefeituras também notam dificuldade em vacinar caminhoneiros, em função da natureza de trabalho em deslocamento.

Vigilância

A diretora do Centro Estadual de Vigilância em Saúde da SES, Cynthia Bastos, confirma que o governo gaúcho está atento à cobertura vacinal abaixo do esperado. Mas ressalva que a análise pode ter limitações pela dificuldade de contabilizar o real número de pessoas em cada grupo prioritário – é possível haver sobreposição de integrantes na faixa de idosos e de comorbidades, por exemplo. Cynthia também afirma que há vacinados cujos dados foram preenchidos com a data de nascimento incorreta, o que reduz o informe de imunizados em determinadas categorias:

— A vacinação poderia estar melhor, mas também tenho noção de que temos uma expectativa bem alta. Municípios dizem que estão vacinando o tempo todo. As vacinas não estão paradas. Está na cobertura que eu queria? Não. Todos os grupos prioritários me preocupam. Mesmo trabalhadores da saúde têm uma diferença entre primeira e segunda dose. Estamos vigilantes, atentos e pensando em novas estratégias para chegar o mais próximo possível do ideal, de vacinar acima de 90% cada grupo.

Sobrecarga

A expectativa do Estado é de que a adesão aumente conforme um maior número de doses for disponibilizado à população, o que permitirá, à semelhança de outros países, que municípios implementem pontos de vacinação fora de postos de saúde, como grandes empresas ou supermercados.

— A partir de um momento em que baixemos a aplicação por idade e em que as vacinas estarão liberadas, várias ações serão possíveis. Um município poderá entrar em um local e aplicar vacinas em todos os funcionários. Vai dar para colocar uma pessoa na porta do posto de saúde, pedir a carteirinha de quem entrar e encaminhar para a vacina da covid. Será possível fazer busca ativa, mas, neste momento, a atenção primária e a vigilância estão sobrecarregadas — diz.

Desinformação e exigência de comprovação de comorbidade emperram processo

Especialistas consultados pela reportagem afirmam que a desinformação sobre imunizantes também prejudica a adesão à campanha. Pesquisa do Datafolha divulgada em maio mostrou que 91% dos brasileiros querem tomar vacina e 9% não pretendem. A parcela da população que recusa algum imunizante é maior entre quem votou no presidente Jair Bolsonaro e entre quem não pratica o distanciamento social.

— A cobertura vacinal dos prioritários está baixa, e isso é bastante preocupante. Notamos que 33% da população está deixada de fora. Tem uma questão que é o negacionismo, o presidente da República até pouco tempo desdenhava de vacinas, e isso influencia. Há também entraves para a segunda dose, que muita gente encara como mero reforço, e não como exigência. O atraso na CoronaVac atrapalhou, e ainda por cima falta um monitoramento mais próximo. É interessante ter uma postura mais ativa — afirma Pedro Hallal, professor de Epidemiologia na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e coordenador da Epicovid, o maior estudo do país sobre prevalência do coronavírus.

O médico epidemiologista Ricardo Kuchenbecker, gerente de risco do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) e integrante do comitê de cientistas independentes do Palácio Piratini, destaca a divisão da campanha por grupos e faixas etárias, com chamamentos diários:

— O calendário ainda lento gera uma informação de difícil processamento da população. Quem tem mais acesso à informação já se vacinou, mas quem tem mais risco, por viver em situação de pobreza, fica de fora. Entre 75% e 90% da população como um todo deve ter acesso à segunda dose. Mas não temos uma estratégia de busca de populações que não foram fazer vacina. Diferentemente do que o Ministério da Saúde diz, de que se vacina quem quiser, o que é uma desinformação, só vamos ter imunidade coletiva se a população como um todo tiver grandes taxas vacinais. A vacina não é um ato individual — diz Kuchenbecker.

O médico Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), destaca que a burocracia para apresentar comprovante de comorbidade e o ritmo da campanha com pausas dificulta a adesão.

— Se sabe que, com a burocracia solicitada, muitas pessoas não tiveram acesso a médico para obter atestado e ganhar a vacina. Temos evoluído mais ao migrar para a idade porque não precisa comprovar nada, apenas se apresentar. Além disso, os grupos antivacina nunca cresceram tanto quanto na pandemia. As pessoas que têm dúvidas estão esperando para ver como os outros reagem, ou tentam escolher a vacina que gostariam de fazer. Tudo isso tem atrapalhado — afirma Cunha, que também considera prudente discutir estímulos para que os brasileiros se vacinem. — Acho que vai ser bem provável que precisemos de mecanismos para incentivar. Quando a doença começa a abrandar, perde-se um pouco o estímulo para a vacinação. Isso aconteceu com a febre amarela e a meningite. Quando surgem casos, todos querem vacina. Quando não tem, cai a procura.


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