Ensino de tecnologia
Programadores mirins: crianças de cinco anos já aprendem a desenvolver games e aplicativos no RS
Incentivar que os jovens desenvolvam habilidades digitais desde cedo, segundo especialistas, contribui para formar indivíduos que interajam com o mundo digital de forma consciente e responsável
O espaço que a tecnologia tem ocupado no dia a dia encontra eco nas instituições de ensino privadas e públicas no Rio Grande do Sul. Crianças recém-chegadas aos seus cinco anos de idade já estão experimentando os primeiros contatos com o mundo da robótica e da programação de computadores, não só como consumidores, mas como potenciais produtores de tecnologia.
Incentivar que os jovens desenvolvam habilidades digitais desde cedo, segundo especialistas em educação e programação, contribui não só para que se interessem por uma área em expansão no mercado de trabalho, mas para acostumá-los a resolver problemas, pensar de forma lógica e para formar indivíduos que interajam com a tecnologia de forma consciente e responsável.
— Hoje em dia, é sabido que as crianças ficam muito tempo em frente à tela, consumindo, mas não agem ativamente com a tecnologia. A programação é uma possibilidade de a criança parar de ser somente um usuário. É retirá-la desse papel e colocá-la como produtora. Mais interessante do que só jogar um jogo é conseguir criar o seu próprio game, entender como as coisas funcionam — afirma o administrador Guilherme Fortes.
Fortes é diretor da Happy Code, uma das muitas instituições particulares de Porto Alegre que ensinam crianças a partir dos cinco anos a programar, seja no contraturno escolar ou em parceria com as instituições de ensino. Os irmãos de criação Thomas Silva Silveira e Victória da Rosa Carvalho têm oito anos e começaram a frequentar as aulas da instituição em 2021. O menino está aprendendo a desenvolver games e aplicativos, e a garota estuda arte digital. Segundo Tairine Silva da Silva, que é mãe de Thomas e madrasta de Victória, a dupla está adorando aprender sobre a área.
— Eles gostam de tudo. Victória fez recentemente um projeto bem grande de desenvolvimento gráfico de uma árvore, e agora está aprendendo a fazê-la se mexer. Foi com certeza pensando no futuro deles que escolhemos esse tipo de ensinamento, já que a tecnologia está crescendo cada vez mais no mundo do trabalho e não há como fugir disso — explica Tairine.
Apesar da tenra idade, a professora da Pós-Graduação em Educação da Escola de Humanidades da PUCRS Lucia Giraffa afirma que é possível e benéfico envolver as crianças neste tipo de aprendizado, já que ele é feito de forma lúdica, adaptada à sua faixa etária.
— Aprender a pensar estrategicamente e a resolver problemas será uma ajuda para toda vida. Não estamos falando em gerar aplicações completas ou comerciais, e sim de aprender brincando, se divertindo, de maneira natural. Aprender a programar não significa que eu serei um programador, mas eu terei concepções diferentes sobre como tudo funciona — afirma Lucia.
Lacunas a serem preenchidas
A programação está entre as 10 habilidades emergentes no mercado de trabalho para os próximos cinco anos, segundo levantou o Fórum Econômico Mundial em seu relatório Futuro dos Empregos de 2020, publicado em outubro do ano passado. A dificuldade para incluir as populações mais pobres e as mulheres em programas de qualificação em tecnologia são alguns dos desafios a serem superados para que diferentes perfis de trabalhadores tenham oportunidades nesse campo.
A Secretaria Estadual da Educação (Seduc) do Rio Grande do Sul informa que há 10 anos faz investimentos na implementação da cultura digital e da robótica computacional nas instituições, e estima que 50% das escolas estaduais desenvolvam atualmente projetos nesse nível, além de participarem de olimpíadas de tecnologia, concursos de programação de games e aplicativos. Em cada uma das 30 Coordenadorias Regionais de Educação, há núcleos de tecnologia aplicada à educação que atuam na formação de professores e estudantes.
"Existem diferenças financeiras entre o ensino público e o privado, mas o trabalho para que a cultura digital esteja ativa nas escolas já acontece. Os professores recebem formação para isso e o Estado distribui ferramentas e kits de robótica. O RS está trabalhando para que essa cultura se torne algo palpável e para que iniciativas em favor da capacitação digital cheguem a um número maior de estudantes", informou a Seduc.
Uma alternativa para provocar mudança no mercado da tecnologia, predominantemente masculino, é engajar meninas desde a infância em atividades de programação. Guilherme Fortes explica que, nas unidades que dirige, a maioria dos alunos ainda é masculina. Já nas escolas que atendem, as turmas são mistas e as garotas acabam tendo o mesmo contato com o saber que seus colegas homens. Um exemplo é o Colégio João Paulo I Sul, que incluiu em fevereiro deste ano a disciplina de programação em seu currículo, para alunos do primeiro ao quarto ano. São quase 300 crianças que dedicam pelo menos 50 minutos semanais ao desenvolvimento de games e apps, em disciplina ministrada por professores especializados em programação.
— Para mudar o cenário, é preciso impactar a base toda, não adianta resolver o problema após os 18 anos. É preciso trabalhar com tecnologia e programação desde cedo para que muitos possam conhecer e alguns optem por continuar nessa linha, principalmente as mulheres, que são a grande lacuna existente hoje em dia. Ensinando em escolas, uma grande parcela de pessoas que não procurariam carreiras na tecnologia passa a conhecer o meio e a se interessar — afirma Guilherme.
Para além das salas de aula, a internet também é terreno fértil para os autodidatas e não faltam opções gratuitas para introduzir aos pequenos as linguagens da programação. Alguns exemplos são as plataformas Scratch e Alice, que ensinam a criar animações e jogos.