Rango Solidário
Pandemia faz aumentar a busca por comida na geladeira comunitária do Bom Fim
Até o fim do ano, a ideia é espalhar mais cinco refrigeradores pela capital gaúcha para atender quem precisa
A geladeira comunitária do bairro Bom Fim, que armazena refeições para pessoas em situação de rua ou de baixa renda se tornou ainda mais necessária nos últimos meses, diante da pandemia do coronavírus. Com mais pessoas desempregadas em razão da crise sanitária, o movimento em torno do equipamento, que fica na Rua Irmão José Otão com a Barros Cassal, aumentou, segundo moradores da região.
— Eu venho um dia sim e um não. Sempre temos algo que sobra do almoço ou da janta em casa. Ou faço sanduíches e deixo aqui. A gente vê que a procura aumentou, às vezes chego aqui e já entrego a comida na mão das pessoas mesmo, porque já estão aqui aguardando. Eu acho uma ideia genial — conta Liliam Amantea, 84 anos, que deixou um lanche na geladeira na manhã desta quarta-feira (15), logo após tomar a terceira dose da vacina contra a covid-19.
Lucas Monteiro, 25, que atua como vigia na rua em frente à geladeira, também notou maior movimento durante a pandemia:
— O movimento não para mesmo. Além dos moradores, tem uns restaurantes que trazem marmitas, com os alimentos que sobram do dia. Tem bastante gente que ajuda.
Durante a uma hora em que a reportagem esteve no local nesta manhã, o movimento de abre e fecha da geladeira não parou. Muitas pessoas paravam o carro e desciam rapidamente para deixar marmitas e sanduíches, enquanto outras escolhiam um alimento e a seguir seguiam seu caminho.
Um deles é o vendedor Márcio José de Oliveira Chagas, 35. Natural do Sergipe, ele veio a Porto Alegre a trabalho. Hoje, mora em uma das pousadas oferecidas pela prefeitura para a população em situação de rua e atua como autônomo. Ele conta que tenta se organizar financeiramente para depois voltar à terra natal.
Antes de começar a venda de balas em um semáforo ali perto, ele passou na geladeira para garantir o almoço.
— A gente que mora na rua não é contado nem pelo IBGE. Fica invisível. Na rua, as pessoas às vezes ficam com medo de parar para entregar algo, ou não têm nada. Então, uma iniciativa como essa nos ajuda muito — avalia.
Rango Solidário começou em 2015
A iniciativa, intitulada Rango Solidário, não é recente. Começou no final de 2015, quando um frigobar foi colocado ali perto. Duas semanas depois, alguém quebrou o cadeado e levou o eletrodoméstico. Mas a ação já tinha conquistado apoiadores. Uma geladeira foi doada e colocada presa junto a uma grade, apenas com a porta para fora, e segue lá até hoje.
— É uma coisa tão simples, que não nos custa nada. A gente sempre tenta ao máximo não colocar comida fora, não deixar sobrar, mas sempre sobra alguma coisa. Então, por que não ajudar? Mas acredito que podíamos fazer um banner, deixar mais vistoso, porque fica um pouco escondido e quem passa pode não ver — comenta Nedo Mandarino, 50, que passou no local após deixar a filha no colégio.
Um dos idealizadores do projeto, Daniel Mattos conta que a ideia surgiu na agência de marketing social onde trabalha. Ele conta que um colega viu algo semelhante ser aplicado em outro país, e então o grupo decidiu tentar na Capital. Foi Mattos quem doou o frigobar roubado alguns anos atrás. Ele afirma que a ideia deve ser replicada em Porto Alegre.
— Nós fomos procurados por uma empresa que quer criar soluções para resolver o problema de quem tem fome. E tivemos a ideia de expandir o projeto. Ainda estamos estudando, mas o plano é colocar mais cinco geladeiras pela cidade, em pontos estratégicos que irão ajudar as pessoas mais necessitadas, até o fim do ano — projeta.