Outubro Rosa
Após enfrentar dois cânceres de mama e metástases, gaúcha realiza sonho de ter filho e relata trajetória em livro
Alice Comassetto acaba de lançar "Aguenta Firme", em que recorda histórias dos medos, momentos marcantes e a descoberta da gestação
Ainda sob efeito da anestesia, Alice Comassetto, 40 anos, se recorda de ouvir a voz do médico, ao fundo, a chamando:
— Alice, Alice. Deu tudo certo. Foi um sucesso.
Instantemente, levou a mão à cabeça e pôde sentir a faixa que fora enrolada após a cirurgia. No momento seguinte, a mão foi em direção à barriga trazendo um alívio inexplicável.
— O bebê estava ali, foi surreal — relembra a relações-públicas.
A descoberta de uma metástase no cérebro durante a 26ª semana de gestação foi o pior momento da vida de Alice, que já havia superado um tumor em cada uma das mamas, tratamentos e mastectomia nos anos anteriores, e, após o parto, recebeu o diagnóstico de um novo câncer no cérebro. Agora, as histórias dos medos, da superação e dos momentos marcantes dessa trajetória estão reunidas no livro Aguenta Firme, lançado este mês, quando também é lembrado o Outubro Rosa, que alerta para a importância do diagnóstico precoce do câncer de mama.
As primeiras anotações do que hoje é o livro datam de 2008, quando ela descobriu o primeiro tumor na mama esquerda, aos 27 anos. Naquela época, conta, as redes sociais eram recheadas de imagens bonitas e histórias felizes.
— Não se publicava as misérias. Meu primeiro tratamento foi velado — lembra Alice.
Quando soube que tinha um tumor na mama direita, em 2017, a relações-públicas iniciou um diário e criou o perfil Aguenta Firme, Alice, no Instagram. Diferentemente da primeira vez, decidiu compartilhar mais da sua rotina de tratamento.
Dois anos depois de tratar o segundo tumor e passar por uma mastectomia, Alice foi surpreendida pela gestação de Miguel, hoje com um ano e 11 meses. Ela, que imaginava que não poderia dar à luz por conta dos tratamentos que passara, estava prestes a realizar seu grande sonho de gestar:
— Em outubro de 2017, fui em uma especialista em fertilidade que disse que meu ovário direito não tinha atividade e o outro tinha poucos folículos. Minha quimioterapia acabou em junho e eu não menstruei mais. A médica disse que, provavelmente, eu teria uma menopausa precoce.
Foi ao descobrir a gravidez que a produção do livro surgiu no horizonte. O objetivo inicial era lançá-lo em 2020, porém, como ela descobriu uma segunda metástase no cérebro, desta vez inoperável, os planos precisaram ser adiados.
— Queria deixar tudo registrado em um livro, mas não conseguia ler e nem escrever após fazer a radioterapia de crânio total. Atrapalhou minha motricidade, cognição e memória. Foi uma vitória imensa publicar o Aguenta Firme. É uma história que pode ajudar outras pessoas — avalia.
Puerpério entre quimios
Com precisão, Alice lembra de 25 de agosto de 2019, dia em que ficou sabendo que tinha uma metástase no cérebro, mesmo tumor que havia vitimado sua irmã, em 2010. Grávida de seis meses, viu seu mundo ruir com a notícia. Apavorada, ouviu atentamente o plano elaborado pelo neurologista, que previa aguardar uma semana para avaliar as condições do bebê, e, se tudo estivesse correndo bem, eles iriam juntos para a mesa de cirurgia.
— Meu bebê era perfeito. Estava grande, a pressão estava normal, então optaram por nos levar para o procedimento.
Após a retirada da metástase, a equipe aguardou 10 semanas para fazer a cesárea de Miguel, que chegou comprido e pesando 2,7kg. Com o menino saudável fora da barriga da mãe, era a vez de retomar os tratamentos e recuperar as 10 semanas dedicadas exclusivamente à gestação.
— Contei muito com a ajuda dos meus pais. Teve a radiocirurgia e sessões de quimioterapia preventivas. Foi bem difícil o puerpério fazendo tratamento e recém operada.
Quando terminou a rotina das quimioterapias, Miguel já tinha oito meses. Ao realizar um exame de rotina, foi descoberta uma nova metástase, desta vez, na meninge, onde não era possível operar, apenas tratar com radioterapia de crânio total. Desde então, ela faz exames a cada três meses e toma um medicamento que a acompanhará por toda a vida.
— Fui acolhida pelos meus pais, que moram no interior de Taquara. Não teria melhor lugar para estar. Como mãe solo, tive todo o apoio deles. Meu pai me levava para fazer a radio, e minha mãe ficava com o Miguel. Eles foram fundamentais, decisivos. Eles cuidam de mim e eu deles. Deu tudo certo.
Para o futuro, Alice só pensa em acompanhar o crescimento do filho, que completa dois anos no próximo dia 8.
— Quando vi, estava com 40 anos, meu maior sonho realizado, que é o meu filho e, agora, o segundo sonho, o livro. Já plantei a árvore! — diverte-se. — (Ajudei a) romper com o estigma que o câncer é uma sentença de morte.
Livro Aguenta Firme
O livro de Alice, que conta com o apoio do Hospital Mãe de Deus, pode ser comprado pelo link dos perfis do Instagram @iamalicelove e @aguenta.firme.