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Desafios da vacinação

Da falta de dinheiro para ônibus ao negacionismo: os motivos dos porto-alegrenses para atrasar ou não tomar a vacina contra covid-19

Acompanhando ações em comunidades das zonas Norte e Sul, a reportagem de GZH encontrou idosos buscando a primeira dose

01/10/2021 - 11h15min


Tiago Boff
Tiago Boff
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Lauro Alves / Agencia RBS
Higor Cadigune, agente comunitário de saúde, convida população da Restinga Velha a se vacinar

Adriana Gonçalves Lopes é mãe de três filhos. Além do trio, vive com o genro e dois netos em uma casa no Núcleo Esperança, comunidade do bairro Restinga Velha, extremo-sul de Porto Alegre. Aos 60 anos, já poderia estar à espera da terceira dose da vacina contra a covid-19 — de acordo com a mais recente recomendação do Ministério da Saúde —, mas não havia tomado nenhuma aplicação até a última quarta-feira (29).

— Minha mãe morreu no sábado, e eu fiquei com medo e vim me vacinar — justifica.

A primeira dose do imunizante para pessoas com 60 anos foi disponibilizada há cinco meses, em 23 de abril, nas 30 unidades de saúde da Capital. Em toda o bairro Restinga, foram identificados mais de 5 mil adultos aptos a se vacinar mas que não foram aos locais de imunização desde o início da campanha.

Os residentes do bairro representavam 9% dos 57 mil porto-alegrenses sem qualquer dose de proteção, conforme levantamento divulgado em 15 de setembro pela prefeitura. O estudo elenca ainda outras nove regiões no "top 10" de não-vacinados: Lomba do Pinheiro (6,2%), Santana (5,2%), Sarandi (5%), Santa Tereza (4,6%), Santa Rosa de Lima (4,1%), Mário Quintana (3,4%), Bom Jesus (3,3%), Partenon (2,8%) e Morro Santana (2,8%). 

Além do medo de deixar os filhos órfãos, Adriana conta que deixou para tomar a injeção agora porque, pela primeira vez, a unidade de saúde Núcleo Esperança ofereceu o serviço. Somente assim, afirma, pôde ir sozinha ao ponto de vacinação.

— Eu não consigo ir sozinha até o Centro, e o posto da Restinga (unidade Álvaro Difini) é longe pra mim. Com a vacina aqui, eu vim a pé — afirmou logo depois de receber a CoronaVac, desenvolvida pelo Instituto Butantan.

A partir do mapeamento dos dados do Executivo, a reportagem de GZH acompanhou ações realizadas pelos técnicos da saúde com objetivo de encontrar essa população. Desde a última segunda-feira (27), as equipes foram até unidades que nunca haviam aplicado os imunizantes contra a covid-19. Em muitos casos, foi necessário bater de porta em porta atrás dos moradores.

— Não me vacinei e nem pretendo — gritou um pedestre, ao ser interpelado pelo agente comunitário Higor Cadigune, também lotado no Núcleo Esperança.

O profissional atua há seis anos no Instituto Municipal de Estratégia de Saúde da Família (Imesf) — apesar de o órgão ter sido extinto, parte dos trabalhadores segue atuando. No período, Cadigune passou a conhecer a vizinhança: chama cada um pelo nome, questiona sobre antigos problemas físicos e renova o pedido para que busquem o posto.

— Cada um tem sua história, e eu preciso respeitar isso — respondeu, sobre o homem que se mostrou irredutível à vacina.

Lauro Alves / Agencia RBS
Adriana Gonçalves Lopes recebeu a primeira dose na última quarta-feira

Negacionismo ainda é desafio

No "centro" do bairro, ou Restinga Nova, como é chamada a região que concentra agências bancárias e boa parte do comércio, o negacionismo em relação à pandemia ainda é visto. Frases como "Se nem o presidente se vacinou, por que eu irei?", "Nasci sem ser marcado e vou seguir assim" e "Não é obrigatório" são seguidas de negativas aos servidores.

Apesar disso, a caminhada dos enfermeiros em busca dos não-vacinados gera frutos: no camelódromo instalado junto ao ponto de ônibus da Avenida Economista Nilo Wulff, Inês Souza, 59 anos, se disse convencida a tomar a primeira dose:

— A gente ouve falar de tanta coisa e fica com medo. Mas, agora que ela me explicou, eu decidi que vou tomar. Mais tarde eu vou lá, tá? — afirmou, se dirigindo à gerente distrital de saúde da Restinga e do Extremo-Sul, Rosana Meyer Neibert.

Rosana organizou a passeata desde o Centro da Juventude até a Unidade de Saúde Álvaro Difini, quatro quarteirões à frente. No caminho, máscaras foram entregues, mas muitas rejeitadas — como argumento, o pedestre apontava para o bolso ou algum compartimento onde o acessório estava guardado.

— Então tem que usar no rosto, coloca por favor — pedia educadamente a gerente. 

Além das causas já elencadas, Rosana afirma que, na região, muitos trabalhadores pegam o ônibus na largada do dia, em direção à área central, retornando do serviço apenas à noite. O longo deslocamento e o cansaço acumulado desmotivam a busca pela vacina, conta.

Tiago Boff / Agencia RBS
Lovaine Gonçalves, 51 anos, moradora da Vila Timbaúva, e o filho Jeferson, de 23

"R$ 1 pra gente, hoje, já é dinheiro"

A distância afeta também quem vive no limite de Porto Alegre com Alvorada, na ponta oposta da cidade. Moradores dos bairros Rubem Berta e Mário Quintana têm procurado o Centro Social Marista (Cesmar) para receber a vacina. Na instituição, há cursos permanentes de preparo para o mercado de trabalho, bolsas para alunos do Ensino Médio, atividades com as famílias carentes e, em duas ocasiões, houve aplicação de doses contra a covid-19 — a mais recente na última segunda (27). 

A oferta do imunizante em um local tão próximo de casa atendeu ao anseio de Lovaine Gonçalves, 51 anos, moradora da Vila Timbaúva. Na segunda, ela começou a trabalhar em um galpão de reciclagem às 7h30min. Interrompeu a separação dos descartes, encontrou o filho, Jeferson Gonçalves Ataíde, e foi até o Cesmar. De mãos dadas com o jovem de 23 anos, entrou na fila da primeira dose.

— R$ 1 pra gente, hoje, já é dinheiro. Gastar com passagem e ainda levar ele é uma dificuldade. Não tem como — disse, como justificativa para ter postergado a vacina.

Das 1,8 mil injeções aplicadas no Cesmar, 1,1 mil foram de primeira dose. Valdecir Zanolla, 52 anos, esteve no complexo nas duas ocasiões — a primeira delas no final de agosto.

— Tomei a primeira aqui e estou com pressa para tomar a segunda. Ainda tenho que ir para uma obra em Gravataí — falou o construtor.

O medo de faltar ao trabalho, por vezes informal, esteve entre os motivos mais citados por quem levou tanto tempo para se imunizar.

— Eu não trabalho com carteira assinada. Sou autônomo. Hoje deu uma acalmada no serviço, e como a obra aqui é perto, pude me vacinar — contou o pedreiro Pablo da Silva Holland, 21 anos, em busca da primeira dose.

Tiago Boff / Agencia RBS
Pedreiro Pablo da Silva Holland, 21 anos, ao receber a primeira dose

Prefeitura comemora sucesso das ações

Nas regiões tabuladas pela Secretaria Municipal da Saúde (SMS) em 15 de setembro, já é notada uma redução significativa do percentual de não-imunizados. Segundo a diretora da Atenção Primária da pasta, Caroline Schirmer, a soma do estoque utilizado nos chamados "rolês 2.0", que são ações realizadas na periferia, chega a 20 mil doses, o que representa 35% dos que não tinham nenhuma proteção.

— Nosso objetivo é chegar a 50% até o Dia Nacional de Vacinação, em 16 de outubro — estima.

A soma de doses aplicadas inclui a montagem de tendas na Orla Moacyr Scliar, ao lado do Mercado Público, nos rolês noturnos e nas escolas de samba.

Os casos ilustrados na reportagem vão ao encontro do que já era suspeita da prefeitura: a pobreza extrema manteve uma parcela da população afastada da vacina. Do banco de dados do Cadastro Único, para pessoas que recebem benefícios como o Bolsa Família, foram identificados 66% dos 57 mil munícipes não atendidos na campanha.

— Não é só negacionismo. Os motivos financeiros são muito maiores do que as questões políticas — complementa a diretora.


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