Direto da Redação
Diego Araujo: "Homens e mulheres invisíveis"
Jornalistas do Diário Gaúcho opinam sobre temas do cotidiano
A Rua da Promessa é uma viela estreita da Restinga, de chão batido e que espreme casas nos dois lados da via. Fica atrás do hospital do bairro, a obra mais importante do século em Porto Alegre, e ao lado do campus do Instituto Federal do Rio Grande do Sul, prédios que exalam inovação, cultura e ascensão social em uma das regiões mais pobres da cidade.
Quem mora na Promessa – pureza e ironia no mesmo nome – tem dificuldades como tantas vilas espalhadas pela cidade. Não há três refeições nunca. Nas cozinhas, ou falta comida ou falta gás para alimentar bocas de todos os tamanhos. Mães não têm creches onde deixar os filhos com segurança, e eles passam a transitar nas ruas ora empoeiradas, ora barrentas. Adultos carecem de empregos, nos quais possam ganhar o dinheiro capaz de abastecer a geladeira ou dar o mínimo conforto a filhos e netos.
Mas, ao conversar com moradores de lá, me chamou a atenção algo que nunca tinha me passado na cabeça: a falta de documentos. Carteira de identidade é algo raro, CPF (exigido pelos programas sociais do governo), nem pensar. Até a Carteira de Trabalho é um artigo que só uma minoria tem. O governo, que tem vários braços sociais, está longe dali.
É justo ressaltar que praticamente todos os órgãos públicos se esmeraram nos últimos anos para colocar os seus serviços principais na internet. E isso facilitou para uma grande camada da população. Mas nas classes D e E, internet é um bicho papão. Eles não têm celular. Quando têm, não há dados. Quando há dados, não dispõem de informações para preencher formulários ou seguir orientações e tutoriais. Muitos deles têm problemas com a leitura e contas simples, imagina encarar a tecnologia.
O que resta é uma população desassistida e que toca a vida sem os documentos básicos. No Enem 2021, no domingo, o tema da redação tratou justamente da invisibilidade de quem não dispõe do registro civil e da falta que ele faz para que esses brasileiros gozem verdadeiramente da cidadania. Não há como não se lembrar da Rua da Promessa.