Papo reto
Manoel Soares: "Ela merece"
Colunista escreve para o Diário Gaúcho aos sábados
Me lembro como se fosse ontem, minha mãe chegou e nos disse que a Dona Cecília, dona da casa que alugávamos disse que tínhamos cinco dias para sair da residência. Eu tinha uns 12 anos, mas foi a primeira vez que vi o abismo que pode existir entre quinta e segunda-feira. Quem mora em favela sabe como não existe regras de locação no universo de chão batido. Minha mãe trabalhava fazendo limpeza em uma casa das 7h até às 17h e às 20h saia para trabalhar enchendo caminhões de frango em uma granja. Nosso horário de busca de uma nova casa era das 17h até 20h.
Sem grana para pagar adiantado ninguém queria alugar. Sem contar que minha mãe não tinha marido, o que gerava ainda mais falatório, até porque sabemos como a galera vê mãe sem marido na quebrada nos anos 90.
Cantinho
Acabamos morando de favor em um porão onde, em dias de chuva, a água encharcava os colchões da cama. Nessa época dividíamos espaço com ratos e amarrávamos as panelas com toalhas para que não comessem a pouca comida que tínhamos. Foi um período de muita luta e sempre via minha mãe cantando Do Jeito Que a Vida Quer, do Benito di Paula. Hoje sei as mágoas que carregava no peito.
Essa foto aí é da casa que dei a minha mãe essa semana, que não é só uma casa bacana, mas a certeza que não vamos dividir casa com ratos e revolta. Sei que demorei 41 anos para tirar ela da tristeza que é não ter um cantinho, mas agora quero que o sorriso seja seu amigo de todos os dias. Você merece Dona Ivanete.